Ainda que preste homenagens ao seu passado, o “novo PSDB” tem pouco a ver com o de sua fundação. Se na origem tinha uma forte preocupação social e de combate às desigualdades, questões próximas às da social-democracia européia, sua nova configuração está mais para a de um partido de direita situado no campo democrático.
O PSDB no poder com Fernando Henrique Cardoso foi aquele que estabilizou a economia, modernizou o Estado, democratizou o acesso à telefonia e avançou na universalização dos direitos sociais básicos, particularmente na Educação, com a “revolução gerenciada” de Paulo Renato Souza, e na Saúde, área em que José Serra marcou história. Para não falar no programa Comunidade Solidária de Ruth Cardoso, com sua visão emancipacionista, e no modelo de gestão implementado em São Paulo por Mario Covas, até hoje uma referência de compromisso com a coisa pública.
De forma otimista, o congresso dos tucanos realizado neste fim de semana foi o coroamento da transformação de um partido de centro-esquerda em um partido de centro-direita.
Seria injustiça dizer que o “novo PSDB” é o bolsonarismo de punhos de renda. Dele se diferencia pelo compromisso mais nítido com a democracia e por uma postura liberal nos costumes. Mas tem muitos pontos de identidade com o bolsonarismo nas políticas de segurança pública e na questão social.
A guinada o deixou nem tão próximo do bolsonarismo para parecer adesão e nem tão longe a ponto de parecer negação.
Coisa de tucanos que parecem mais preocupados com as aparências e com o que dizem as pesquisas de opinião do que de lideranças que têm personalidade, clareza de propósitos e projeto firme. Covas faz muita falta nesse quadro.
Há uma mudança não apenas de geração, ainda que figuras como Serra, FHC e Geraldo Alckmin tenham sido as grandes ausências e não tenham nem mesmo sido agentes da transmutação. A mudança, ou melhor, a ruptura foi de projeto político, fruto da inflexão da guinada da sociedade para a direita, a partir de 2014, cujo ápice foi a eleição de Jair Bolsonaro em 2018. Tudo impulsionado pela catástrofe gerada pelos governos do Partido dos Trabalhadores.
Depois da humilhante derrota na última disputa presidencial, os tucanos tentam agora se adaptar às circunstâncias, mais por pragmatismo e menos por princípios. Aderem, acriticamente, à guinada do seu eleitorado que caiu nos braços de Bolsonaro.
O partido, que chegou ao poder em 1994 com uma agenda progressista e fez um governo socialdemocrático, no sentido estrito da palavra, nas condições concretas e difíceis do Brasil, pretende retornar em 2022 com um agenda conservadora que beira o retrógrado.
A conferir o quanto a nova estratégia dará certo. Há um mar de dúvidas inclusive dentro do próprio PSDB repaginado. Uma das novas estrelas em ascensão, o governador gaúcho Eduardo Leite, símbolo da “nova política”, foi muito claro em entrevista ao Valor Econômico, às vésperas do congresso tucano. Segundo ele, o partido errou em 2016 por se apresentar mais a esquerda do que era “e agora não pode correr o risco de aparecer mais à direita do que realmente é”.
Querer agir como um partido pêndulo, que muda de posição conforme as circunstâncias, é caminho certo para a perda de credibilidade. Se a inflexão não for bem explicada, pode ver sumir seu eleitorado tradicional sem atrair novos segmentos da sociedade.
O retorno para o ninho tucano do eleitorado que migrou para o bolsonarismo estará inviabilizado se a economia deslanchar e o presidente levar adiante as reformas. Nesse caso, o terreno da direita estará ocupado por um presidente de popularidade ascendente, a quem o eleitorado relevará seus excessos e propulsões autoritárias.
Paradoxalmente, a possibilidade de sucesso da nova estratégia do tucanato depende do insucesso do governo. Mas, nesse caso, por que o PSDB seria o beneficiado? Se predominar a insatisfação, os brasileiros vão querer mudanças de rotas. Não lhes bastará a troca de guardas no campo da direita.
Os tucanos saíram do muro para o lado que não deveriam. Ao abrir mão de ser parte de uma esquerda democrática, como o era na sua origem, queimou as caravelas. Perde interlocução com o eleitorado mais progressista, deixa de ser pólo aglutinador de um campo que vai do centro-esquerda para o centro-direita e abre mão de sua vocação reformista e de principal pólo de uma esquerda democrática e republicana, comprometida com os fundamentos econômicos, a austeridade fiscal e o reformismo social.
Mais grave: fica impossibilitado de ser uma força estabilizadora na hipótese de uma explosão social em um país de índices de desenvolvimento humano subsaarianos e campeão de concentração de renda.
Como em política não há vácuo, alguém ocupará o espaço deixado pelo PSDB. Há casos em que a mudança da plumagem acaba por matar a ave.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, na Veja, em 11/12/2019.