A imagem da tragédia

Alfredo Rizzutti faria uma foto comovente, em uma igreja de Tubarão, cidade catarinense devastada por uma enchente colossal. Quando deixamos a sede do Jornal da Tarde, no entanto, não tínhamos a menor certeza de que conseguiríamos chegar ao palco da tragédia. Tubarão estava isolada.

Um avião bimotor, alugado, nos esperava na pista do Campo de Marte. Éramos três. Este narrador e seu colega Inajar de Souza, de texto; e o Alfredo com suas câmaras. Chegamos e embarcamos. O avião correu para a decolagem e… teve uma pane séria. Surgiu uma vibração forte, que chacoalhava sua estrutura e a nós passageiros.  Por sorte, ainda houve tempo de o comandante abortar a decolagem.

Algum tempo depois, embarcamos em outro bimotor, mas este não era um esquife voador, como, por chacota, chamávamos aviões velhos. Ao cabo de longa viagem, nos preparamos para o pouso em uma cidade próxima de Tubarão. A pista era de terra e estava molhada. Quando tocou o solo, o avião deu uma derrapada, mas o comandante conseguiu controlá-lo.

Prosaica dúvida nos acometia. Como chegar à cidade inundada? A pista onde estávamos servia de apoio para pessoal de socorro, entre eles equipes de helicópteros da FAB. Fomos a elas, explicamos a situação, e conseguimos uma carona. Era um helicóptero grande, viajava-se em pé.

Uma vez em Tubarão, começamos a levantar dados, o que não era, sem contar a dificuldade de andar na lama e em escombros, tão difícil. O resultado da catástrofe estava à nossa frente, onde quer que fôssemos. Um boi pendurado nos galhos de uma árvore. Havia ido parar pelas águas da enchente. Quando elas baixaram, sobrou o animal lá em cima.

Alfredo Rizzutti se vê diante de uma igreja. Entra. Há um grupo de flagelados. Percebe o choro de um bebê, e se surpreende ao ver de onde vem. O bebê foi deixado na pia batismal. Alfredo faz as fotos, e se angustia; tem medo de que o bebê caia de lá. Começa a andar pela igreja, e vê uma mulher entrar e caminhar para a pia batismal. Certamente a mãe da criança.

O Jornal da Tarde abriu a foto na primeira página. A imagem foi reproduzida, e colada em postes de cidades de Santa Catarina, com pedido de ajuda humanitária. Roupas, alimento, remédios. O que salvou os jornalistas (Ricardo Kotscho e Claudinê Petroli cobriram pelo Estadão) foi que a energia elétrica não foi afetada. Assim, pudemos mandar nossos textos pelo telex, e as fotos por telefotos.

A enchente de Tubarão deixou um número de mortos nunca estabelecido. Falava-se em mais de cem. Ocorreu em há quarenta e cinco anos, em 1974.

Agosto de 2019

 

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