A anistia faz 40 anos

Faria bem ao país se Jair Bolsonaro deixasse de mirar no retrovisor e zelasse pela pacificação conquistada graças à engenharia política que nos permitiu virar a página dos anos de chumbo e ingressar no maior período democrático de nossa história.

O acerto com o passado já foi feito por meio da Lei da Anistia, o pacto estabelecido há 40 anos, mas é o próprio presidente que toma a iniciativa de reabrir feridas que julgávamos cicatrizadas.

Elogiar um torturador, alçado por Bolsonaro à condição de herói da Pátria, ou ofender a memória de desaparecidos, como Fernando Santa Cruz, em nada contribui para a superação do clima de radicalização que se espraiou pelo país, a partir de 2014.

A história já fez seu julgamento sobre a longa noite de 21 anos do regime militar. Revisitar os porões daquele triste período é um desserviço ao país e às Forças Armadas, pois coloca-as de novo no centro do embate político. Se essa disputa se der em relação ao seu papel durante o período ditatorial, não há como sua imagem não ser afetada, daí não ser de seu interesse mexer nesse vespeiro.

Quando põe o dedo nessa ferida, o presidente acirra os ânimos e volta-se para uma agenda que só interessa aos bolsões radicais.

O singular da transição do regime ditatorial para a democracia em nosso país é que ela se deu de forma pactuada, da qual a anistia foi peça chave. De um lado, possibilitou a reintegração na vida política nacional dos opositores do regime, inclusive dos que o combateram de armas nas mãos, e, de outro, deu a garantia aos militares que eles não seriam punidos. Nem mesmo quem praticou a tortura.

Pagamos um preço alto, sobretudo os familiares dos mortos e desaparecidos. Mas o resultado foi positivo para o país. Os militares recuaram organizadamente para os quarteis e o Brasil ingressou no maior período de sua história republicana sem intervenção militar ou quartelada. As Forças Armadas, por sua vez, reconquistaram o respeito dos brasileiros, ao se dedicarem exclusivamente às suas obrigações constitucionais e profissionais.

Não foi fácil vencer resistências e desconfianças mútuas. Pela direita havia oposição da linha dura do regime militar, sobretudo dos que operavam nos porões da repressão. E pela esquerda, principalmente de remanescentes da esquerda armada, que sempre sonharam com um acerto de contas com os militares; apesar de, naquele período, terem sido derrotados política e militarmente.

À sua maneira, cada um dos dois pólos tentou fazer a sua releitura da história, quando viram-se legitimados pelo voto. Durante os governos petistas houve incursões para rever a Lei da Anistia, com vistas a levar militares ao pelourinho. Foi preciso o Supremo Tribunal Federal se pronunciar contra sua revisão. Até hoje setores da esquerda não entenderam que a ditadura não foi derrubada, como pregavam, mas superada por um pacto político do qual a anistia recíproca foi pilar fundamental.

Agora assistimos ao revisionismo histórico daquele período com o sinal trocado. Ao voltar a ser poder pela via eleitoral, setores da ultradireita capitaneados pelo presidente usurpam a história e trazem de volta fantasmas do passado.

Essa página tem de ser virada de uma vez por todas. Bolsonaro precisa voltar seus olhos para o futuro.

Só assim serão perenes os benefícios de uma Lei que há 40 anos contribuiu para o Brasil sair das trevas e respirar o ar puro da democracia.

 

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