Dois personagens, Jair Bolsonaro e Lula, e um desastre anunciado; os candidatos do chamado centro democrático, incapazes de enxergar acima de seus umbigos e ambições individuais. Objetivamente, essa é a síntese do primeiro turno das eleições 2018, cuja campanha foi dominada por níveis intoleráveis de intolerância.
Líder absoluto nas pesquisas durante toda a corrida, o ex-capitão surfou na onda da insatisfação geral abrindo o armário de uma direita enrustida que inventou inimigos e xinga comunistas como se eles existissem e fossem ameaças reais. Arrebanhou parcela expressiva de gente que se uniu contra a corrupção encabeçada pelo PT, que por pouco não levou Aécio Neves à vitória em 2014, gente que ocupou as ruas em prol da cassação de Dilma Rousseff.
Com moral à la TFP, colérico em relação a gays, misógino, o ex-capitão aumentou a bílis de muitos. Sua turma, aguerrida nas redes, foi tão cruel quanto o experiente petismo na imposição de constrangimentos aos opositores. Detonaram a cantora Anitta pelo apoio dela ao #EleNão, execraram todos que expuseram alguma crítica ao candidato que eles qualificaram como “mito”.
Já Lula terá feito história mesmo se não conseguir emplacar seu poste, acrescentando bizarrices a seu currículo: foi o primeiro presidiário a reivindicar candidatura à Presidência da República e o único não-candidato a participar de pesquisas eleitorais. Protagonizou a falácia de que “eleição sem Lula é fraude” para, vencido pela Lei da Ficha Limpa, amarrar as cordas na sua marionete. Da cadeia, dá todas as instruções e só não governará de lá porque sabe que não continuará preso se Haddad chegar ao Planalto.
Ao centro, o fracasso foi total. Pouco há o que falar do ex-ministro Henrique Meirelles, que queimou fortuna própria para custear uma aventura personalista. Marina Silva, depositária de mais de 22 milhões de votos em 2014, pagou caro por seu sumiço durante quatro anos, levando consigo os destinos de sua Rede, partido que não conseguiu consolidar.
Mas os maiores derrotados foram Geraldo Alckmin e o PSDB, partido que há tempos perdeu personalidade e protagonismo. Colhe hoje resultados da debandada daqueles que foram às ruas por Aécio e se viram traídos, da posição dúbia diante do governo Michel Temer, da covardia na defesa de princípios que um dia fizeram a grandeza da sigla.
Mesmo com acertos administrativos, contas em dia e sucesso no combate à violência, o ex-governador não conseguiu convencer nem os eleitores de São Paulo, estado que o PSDB governa ininterruptamente desde 1995. Montou a maior aliança política da história, com oito partidos, que lhe valeu minutos de sobra no rádio e na TV, sem que isso o levasse a qualquer lugar. Ao contrário, foi cobrado por se unir a agremiações mal-cheirosas. E, historicamente, como sempre acontece entre os tucanos, sofreu bombardeios internos.
Na reta final, Ciro Gomes, terceiro colocado na disputa, intensificou a busca nesse campo do meio, sem qualquer sucesso junto aos perdedores de véspera.
O fracasso de Alckmin e a irredutibilidade dos demais candidatos do segundo pelotão, incluindo aí o experiente Álvaro Dias e o novato João Amoedo, de se unirem em torno de quem pudesse tentar romper o cabo de força dos dois extremos, podem custar caríssimo ao país.
Considerada a festa maior da democracia, a eleição, desta vez, corre risco de resultar no avesso. Amanhã ninguém poderá reclamar da ressaca.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, na Veja, em 7/10/2018.