O cavalo de Esopo

Em seu indispensável Como morrem as democracias, Steven Levitsky e Daniel Ziblatt recorrem à fabula do cavalo e o caçador do escritor grego Esopo. Com ela explicam o que aconteceu com quem aplainou o terreno para a assunção de tiranos como Adolf Hitler, Benito Mussolini, Hugo Chávez e outros.

Em guerra contra o javali, o cavalo pede auxílio ao caçador, que se dispõe a ajudá-lo desde que aceite a rédea e a sela em suas costas. Vencida a disputa, o cavalo pede que o homem o libere daquelas amarras. A resposta: “Agora eu o tenho sob minhas rédeas e espora e vou mantê-lo assim”.

Segundo os autores, foi isso o que aconteceu em sociedades que, para se livrar de problemas reais, facilitaram a assunção dos que viriam a ser seus algozes. Acreditaram que os filtros democráticos e os sistemas de pesos e contrapesos das instituições imporiam freios à ação de demagogos autoritários. Acreditaram também que ameaças não precisariam ser levadas a sério por se tratar de pura retórica.

O Brasil parece acometido pela síndrome do Cavalo de Esopo. Para se livrar da violência que mata 60 mil pessoas ao ano, da corrupção, do desemprego e da crise institucional gerados pelos governos Lula e Dilma Rousseff, parte majoritária da sociedade está disposta a se submeter a Jair Bolsonaro. Faz ouvido de mercador às sucessivas ameaças do candidato e de seus seguidores, achando possível domesticá-lo.

No último domingo, manifestantes diziam que, se no futuro o “mito” frustrar expectativas, vão tirá-lo do poder, como fizeram com Dilma. Convenhamos, impeachment não acontece como quem troca de camisa.

As esporas podem causar muita dor se o discurso de Bolsonaro do último domingo for levado a sério. A manifestação do candidato, além de grosseira, é uma peça absolutamente incompatível com o ordenamento democrático. Seu “prendo e exilo” explicita claramente a ideia de extirpar seus adversários, de vê-los como inimigos da pátria, algo bem próprio do “Brasil, ame-o ou deixe-o” dos anos de chumbo. No passado Lula queria extirpar o DEM, agora Bolsonaro quer extirpar o PT. Com igual ênfase, Fernando Haddad diz que o ex-capitão “é tudo que precisa ser varrido da face da terra”.

Como se não bastasse, antes mesmo de se erigir ao poder, o bolsonarismo cria um potencial conflito entre os poderes, com as agressões de seu filho à Suprema Corte do país. Com manifestações que “beiram o fascismo e ultrapassam as barreiras do aceitável”, como enfatizou o ex-presidente Fernando Henrique, Bolsonaro e os seus demonstram não só desrespeito, mas pouco caso com as instituições.

O bolsonarismo é hoje uma corrente importante da sociedade. É fundamental que venha para dentro da institucionalidade, assim como o PT veio no início dos anos 80, podendo se beneficiar da alternância do poder, se essa for a decisão dos eleitores. Mas tudo isso em absoluta consonância com os valores democráticos, a independência entre os poderes e o direito ao dissenso.

Está em jogo algo muito maior do que o voto neste ou naquele candidato. Isto será decidido pelo pronunciamento soberano das urnas. Mas, independentemente do resultado, é essencial que os filtros e os guardiões da democracia operem com todo vigor para que os brasileiros não fiquem sob as rédeas de tiranos de qualquer natureza.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, na Veja, em 24/10/2018. 

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