Cinquenta e quatro anos após o Brasil ter mergulhado no regime militar, as Forças Armadas voltam a ter proeminência na vida política nacional.
Não há, contudo, paralelo entre os dois momentos.
Em 1968, quando a 13 de dezembro editaram o Ato Institucional n° 5, os militares radicalizaram o regime para levar adiante seu projeto positivista de modernizar o país. O binômio segurança-desenvolvimento servia de justificativa para mandar a consciência às favas e escancarar o regime ditatorial.
Hoje retornam ao poder de forma democrática.
Mais do que isso. A presença em posições estratégicas no governo de Jair Bolsonaro, que também é capitão reformado do Exército, não autoriza a leitura de que estamos de novo sob um regime militar. O poder continua sendo civil, no sentido de estar subordinado à Constituição-Cidadã de 1988, e a cadeia de comando das Forças Armadas é a maior interessada em evitar a politização dos quartéis.
Também as circunstâncias históricas são outras. Em 1968 vivíamos em pleno clima de guerra fria. O mundo era dividido em dois blocos e sua radicalização se reproduzia aqui dentro. Com a ruína do “socialismo real”, o “perigo do comunismo” deixou de existir, a não ser nas cabeças anacrônicas que não se reciclaram. Em escala planetária, as polarizações hoje são de outra natureza. São, na maior parte, consequência da globalização, que não deu respostas satisfatórias aos novos problemas.
Certa vez perguntaram ao primeiro-ministro chinês Chu En-Lai qual a sua avaliação sobre a Revolução Francesa. Sua resposta foi que era muito cedo para uma conclusão, pois tinham se passado apenas 200 anos. Talvez o lapso de 50 anos seja insuficiente para uma análise isenta e desapaixonada do A1-5, pois muitos dos personagens daquele período ainda estão presentes no cenário nacional.
Os militares justificam o endurecimento da ditadura com o argumento de que o AI-5 foi necessário para combater a escalada do terrorismo praticado pela esquerda armada, como se tortura, assassinato, desaparecimento de opositores ao regime fossem o preço a pagar para livrar o país do fantasma do comunismo.
Já a esquerda que pegou em armas usa o AI-5 para justificar os sequestros, os atentados e assassinatos que praticou, como se não houvesse outros meios de se opor ao regime.
Um e outro omitem a realidade dos fatos. A radicalização da ditadura antecede o AI-5. Em 1965 os militares se anteciparam e romperam a aliança com o braço civil do regime – representado por Carlos Lacerda da UDN ou por Juscelino Kubitschek e Ulysses Guimarães do PSD -, adiando a eleição presidencial prevista para aquele ano. Também extinguiram os partidos e instituiram o bipartidarismo e a eleição indireta para presidente da República.
Já a esquerda armada optou por esse caminho logo após o golpe de 1964. O atentado a Arthur da Costa e Silva foi em 1966. No mesmo ano o PC do B inicia a preparação da guerrilha do Araguaia e, em 12 de outubro de 1968, integrantes da guerrilha urbana de extrema-esquerda assassinam em São Paulo o capitão norte-americano Charles Rodney Chandler.
As duas versões são fantasmas da guerra fria da qual ainda não nos livramos por completo. O concreto é que o AI-5 fez mal a todos. Ao país, às instituições e à própria Forças Armadas.
Felizmente o estamento militar parece ter entendido o quanto foram nocivos os períodos em que intervieram na vida política nacional. Este não é apenas o pensamento do atual alto comando, mas uma cultura que se formou desde do recuo organizado para os quartéis.
Hoje as Forças Armadas estão dentro da ordem, da regra do jogo e com espírito democrático. E voltam ao poder legitimadas pelo voto.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, na Veja, em 12/12/2018.
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