Há males que vêm pra bem, há malas que vêm de trem, Deus escreve certo por linhas tortas, Garrincha dribla certo com as pernas tortas, e então, duas semanas depois que gorou minha ida com Marina ao Sesc Pompéia para ver o novo show da Fortuna, ela foi – junto com cinco amigos da escola.
Sem dúvida alguma teria gostado de ir comigo, mais a mãe e a Bisa, que tinha sido o desenho original dois domingos atrás (a avó estava fora, em Floripa). Mas quer coisa mais absolutamente gostosa que ir a um show de música junto não com um, nem dois, mas com cinco colegas?
Seis mães, seis meninos – três meninos, três meninas. Lindíssima a foto que minha filha me mandou. Fantasticamente linda. Não publico aqui, obviamente, porque seria invadir a privacidade de cinco jovens mães.
Mas posso publicar a foto dela com a mãe e com a Fortuna – essa eu posso. Segunda vez que Marina vai a um show da cantora, segunda vez que tira foto ao lado dela. .
Marina agora tem em casa um CD de Fortuna autografado para ela – esse exemplar que está na mão da grande cantora, e que minha filha comprou logo ao sair do show. Tchiribim Tchiribom – Cantando pelo Mundo, uma edição 2016 do próprio Sesc. 18 canções tradicionais dos mais diversos lugares do planeta, da Nova Zelândia à Itália, de Israel à França, da África à China, com letras de Hélio Ziskind.
Tinha avisado que eu já tinha o CD aqui em casa, comprado quando fui ao Sesc semanas atrás pegar as entradas do show que acabaram não sendo usadas. Mas minha filha, claro, quis também ter na casa dela. Até porque Marina pediu para comprar, porque queria ouvir no carro…
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Desci até a rua para pegá-la no meio da tarde. Ao me entregar o tesouro, a mãe disse que as duas queriam pedir emprestado o DVD da Fortuna do show anterior, porque ela nunca tinha visto ainda. Já no elevador Marina veio falando de uma música – aquela da Talita que “tinha mania de dar nome de gente aos objetos da casa”.
Começamos a brincar, depois da natural agarração de Marina com a avó – e, lá pelo meio de um quebra-cabeça novo que ela ganhou (e resolveu com rapidez impressionante), disse que gostaria de ouvir aquela música da Talita. É “A operação do Tio Onofre”, do projeto infantil anterior da Fortuna, Tic Tic Tati, com textos da escritora Tatiana Belinky e música do Hélio Ziskind. (Marina viu o show Tic Tic Tati um ano atrás, em fevereiro de 2017 – na foto abaixo.)
“A operação do Tio Onofre” é um pequeno conto, uma história policial, com bandidos que chegam armados à casa de Talita – e Marina, sempre uma amante da teatralização do faz de conta, pediu que nós representássemos os personagens da história, ela sendo a Talita, é claro, a vovó, a mamãe da Talita, e eu em papel duplo como o papai e o ladrão.
Adorou, pediu bis.
Mais tarde, me contou que, além da Fortuna, há quatro outras pessoas no show, cantando e dançando.
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E fico, mais uma vez, meio bobo, meio enfeitiçado com a sorte que temos de haver artistas fazendo música de qualidade para as pequenas criaturas, hoje em número bem maior do que quando eu era um pai fresco com minha filha novinha como a filha dela é agora.
Sim, minha geração já tinha coisas boas para ofertar para os filhos. Tinha Os Saltimbancos, as canções para a pérola da Globo que foi O Sítio do Picapau Amarelo, A Arca de Noé de Vinícius e Toquinho. Até a Turma do Balão Mágico era legal. Mas esses meninos de hoje, essa geraçãozinha da Marina que caiu no caldeirão da informação quando bebê, esses sortudos têm tudo o que Fernanda ouviu quando criança e mais esses projetos maravilhosos da Fortuna, os Barbatuques, os Tiquequês, a Adriana Partimpim e, last but not least, o Palavra Cantada de Paulo Tatit e Sandra Peres.
A mim, particularissimamente, fascina ver que minha neta ouve hoje, com admiração, fascínio, músicos que eu levei a mãe dela para ouvir quando ela era criança. Paulo Tatit e Hélio Ziskind eram, claro, da formação original do Rumo, que levei Fernanda para ver no Lira Paulistana, ali pertinho da casa dela de então, e mais tarde no Centro Cultural São Paulo, onde poucos dias atrás estive com a Daya, a filha da Inês, que cresceu junto com a Fernanda e aprendeu a gostar de muito da MPB comigo.
Fascina essa coisa de a gente passar coisas boas de uma geração para a outra.
Marina gosta do Kiss que o papai adora, e está estranhamente fascinada pelos Beatles, que ela chama de a banda preferida da mamãe.
Tinha 3 anos quando cantava a música da gata dos Saltimbancos, para alegria imensa da mãe, que sabia que com isso ela agradaria extraordinariamente ao vovô.
Tinha 4 quando se apaixonou pela canção perfeita de Guilherme Arantes sobre pegar carona na cauda de cometa, que a mãe tinha ouvido criança, e ela ficou conhecendo através da Fortuna, a cantora que o avô adora desde meados dos anos 90, quando ela lançou Cantigas, o primeiro de seus vários discos de canções dos judeus sefaraditas.
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Ih, diacho, mas isto aqui é uma agenda do vô ou uma anotação sobre música?
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Na hora do lanche, só nós dois, a avó trabalhando no escritório, tivemos uma conversa sobre plural e uma discussão sobre uma palavra em inglês.
Comentei mais uma vez que tinha achado muito gostoso, especialmente gostoso, essa coisa de seis meninos da mesma sala da escolinha terem ido ver o show da Fortuna. E repeti: – “Seis meninos!”
E ela: – “Meninos e meninas”.
Sim, eu disse, mas quando estão reunidos meninos e meninas, usa-se o plural masculino – meninos. Se tiver um leão e duas leoas, por exemplo, a gente diz os leões.
(Não sou eu que vou, agora, começar a dizer para ela que há uma corrente cada vez mais forte que contesta totalmente essas minhas afirmações. Vamos deixar isso para um pouquinho mais tarde.)
Marina ficou me olhando com aquela carinha linda que faz quando está raciocinando, avaliando uma informação, processando.
Uma hora lá falei do Holiday on Ice – ela foi no ano passado com pai e mãe, adorou; os ingressos para este ano já estão comprados, e a idéia é ela ir com os avós.
Ela me corrigiu: – “É Disney on I.” Disney on Ai, ela pronunciou.
Eu, admitindo o erro mas corrigindo a palavra final: – “Disney on Ice”.
Ela: – “Disney on I”.
Eu repeti ice, ela repetiu ai. Desisti: – “Tá bom, on I. Mas é Ice.” E depois acrescentei: – “Significa Disney Sobre Gelo”.
De novo me olhou com a carinha de quem está processando as informações. Depois de um tempinho, me corrigiu de novo: – “Disney no Gelo!”
Admiti que é isso mesmo.
Às vésperas dos 5 anos, Marina ouve o que o avô diz e muitas vezes leva seriamente em consideração. Mas não gosta de perder uma discussão.
12/3/2018
Um comentário para “Marina e a Fortuna (2)”