O bicho é pesado como um elefante, tem cor de elefante, patas de elefante, tromba de elefante, mas Lula dirá que é um pássaro. Na quarta-feira, 14, quando volta a depor na 13ª Vara da Justiça Federal do Paraná, o ex-presidente insistirá em que o sítio de Atibaia não é e nunca foi dele – embora tudo, absolutamente tudo, demonstre o contrário.
Assim como no processo do triplex do Guarujá, pelo qual foi condenado a 12 anos e um mês, Lula também é acusado por corrupção e lavagem de dinheiro no caso do sítio. Mais de R$ 1 milhão desviado da Petrobras teria sido utilizado pela Odebrecht e OAS para adequar o sítio às necessidades do presidente e de sua mulher, Marisa Letícia, morta em fevereiro do ano passado, antes de a denúncia ser oficializada pela força-tarefa da Lava-Jato.
A peça, com 168 páginas, resume boa parte dos achados da operação em diferentes níveis, incluindo propinas para políticos do PT, PP e PMDB. Explica como funcionava o caixa paralelo do governo e os das duas empreiteiras. Cita transações envolvendo os codinomes de Lula – Brahma para Léo Pinheiro da OAS, e Amigo, para Marcelo Odebrecht – e o sofisticado esquema de coleta e distribuição dos ilícitos. E expõe um conjunto de provas de que Lula e sua família eram os únicos a usar o sitio, a dar ordens aos trabalhadores e a decidir por compras e reformas.
Alguns trechos são hilários. E-mails sobre tudo remetidos para a Fundação Lula, incluindo fotos de animais e de pedalinhos. Outros de funcionários públicos que prestavam serviços ao ex relatando ocorrências, a exemplo da notificação de um de seus seguranças: “Botão pânico, foi acertado com o Fábio que seriam 03 (três), sendo duas na casa do PR e uma na casa dele”. Recibos de rotas de pedágios dando conta de que carros de Lula fizeram o percurso São Bernardo-Atibaia-São Bernardo por 270 vezes entre 2011 e 2016.
Como Lula vai explicar a singeleza do e-mail que o caseiro Maradona enviou à Fundação em abril de 2014, dando conta de que “morreu mais um pintinho e caiu dois gambá nas armadilhas”? Mais do que o português ruim, outra mensagem, desta vez dirigida a Fernando Bittar em maio de 2015, aponta quem é o verdadeiro dono: “colocaram a venda aqui um sítio visinho do presidente”.
Bittar, sócio de Fábio Luis Lula da Silva na G4, empresa de games, é um dos proprietários formais do sítio. O outro é Jonas Suassuna, também parceiro de Lulinha na BR4 Participações. Os dois teriam adquirido duas propriedades anexas – os sítios Santa Bárbara e Santa Denise – no mesmo dia, em uma transação formalizada pelo compadre e advogado de Lula, Roberto Teixeira, dois dias antes da vitória de Dilma Rousseff no segundo turno das eleições de 2010.
As plantas de reforma, incluindo espaços generosos para guardar objetos vindos de Brasília, uma ampla adega, estação de tratamento de água e sauna foram encontradas em uma pasta da ex-primeira-dama dentro do sítio. Nos armários, roupas de Lula e Marisa, cremes de manipulação com nome dela. E nenhum pertence dos proprietários de papel. Nada, nadica.
Como só trata de corrupção relacionada à Petrobras, a Lava-Jato não incluiu no documento um outro mimo: a gigantesca antena que a operadora Oi (também citada em rolos de Lulinha) instalou em 2011 a 300 metros da propriedade. Conhecida pelos vizinhos como a “torre do Lula”, a Estação Rádio Base conectou o sítio ao mundo, mas não fortaleceu o sinal para além dele.
Apresentada pelo MPF em maio de 2017, a denúncia foi aceita pelo juiz Sérgio Moro em agosto deste ano, mas ele preferiu adiar as oitivas dos acusados – além de Lula há outros 12 – devido ao processo eleitoral. Com a saída de Moro para o governo Jair Bolsonaro, a arguição agora será feita pela juíza substituta Gabriela Hardt, tida por colegas como mais dura do aquele por quem Lula e os seus cultivam ojeriza máxima.
Em apenas uma semana, Gabriela negou um pedido de adiamento da audiência feito pela defesa de Lula, já ouviu os Odebrecht – o filho Marcelo e o pai Emilio -, e Pinheiro, da OAS, também réus, que confirmaram a denúncia.
Será a primeira vez que Lula sairá da sede da Polícia Federal de Curitiba, onde está preso desde abril. E, de acordo com o tom que vem sendo mantido por seus advogados, o fará para negar qualquer acusação e repetir ser o homem mais honesto do planeta. Difícil será esconder o elefante.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, na Veja, em 11/11/2018.
A foto é de Márcio Fernandes/Estadão.