Lula permanece preso. A Terra permanece girando

Ao resumir para os seus leitores e para a História em uma única frase – a manchete –os acontecimentos do domingo louco, teratológico, 8 de julho de 2018, O Globo foi de uma infelicidade assustadora. E o Estadão cumpriu seu dever com honra.

Sunday crazy Sunday.

O Globo anunciou: “Lula permanece preso após batalha de decisões judiciais”.

O Estadão: “Tribunal barra manobra para tirar Lula da prisão”.

Ora, Lula permanecer preso não é notícia. Notícia seria se ele tivesse sido solto. Lula permaneceu preso no domingo assim como permaneceu preso no sábado, na sexta anterior, na quinta, na quarta, como se espera que permaneça mais um grande monte de dias. Lula permanece preso desde 7 de abril, condenado que foi a 12 anos de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

Se foi condenado a 12 anos de prisão, é absolutamente normal que permaneça preso após 93 dias .

Lula permanecer preso é normal como cachorro morder homem – e, quando cachorro morde homem, não é notícia, quanto mais manchete de jornal. Notícia é se homem morder cachorro. Qualquer aspirante a jornalista está cansado de saber disso.

Lula permanece preso da mesma maneira que a Terra permanece rodando em torno de si mesma e em torno de uma estrela sem importância, se não me engano de quarta grandeza, no universo de bilhões de estrelas.

Lula permanece preso como todo santo dia a maré sobe e depois desce, em todos os oceanos, junto de todos os continentes.

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A notícia, o que aconteceu no domingo louco, teratológico, foi uma manobra para tentar tirar Lula da prisão. Uma manobra toda orquestrada, preparada, estudada: três deputados do PT esperaram até um fiel seguidor do partido, Rogério Favreto, assumir o plantão de fim de semana no Tribunal Regional Federal da 4ª Região para entrar com um pedido de habeas corpus para o chefão deles e do plantonista.

Rogério Favareto assumiu o plantão às 19h da sexta-feira, 6 de julho. Às 19h32, o pedido foi protocolado no tribunal. Às 9h05 do domingo, Rogério Favreto concedeu liminar determinando imediata soltura de Lula.

A manobra foi feita com a coincidência de que o país poderia estar meio distraído, bem no meio da Copa do Mundo, e o juiz Sérgio Moro, que condenou Lula pelo caso do tríplex do Guarujá, estava de férias.

O petista de carteirinha Favreto estava de plantão no TRF, o juiz Sérgio Moro estava de férias – como bem lembrou o senador petista Lindbergh Farias no Tweeter no meio do domingo louco. Não muito esperto, não propriamente dotado de uma inteligência assim brilhante, o ativo senador lindinho deixou escapar, em seu tuíte irado, que o fato de o juiz Sérgio Moro estar de férias era parte da manobra!

“Moro está de férias! É impressionante o seu ativismo jurídico. É um militante de toga!”

O desembargador Rogério Favreto foi militante do PT, filiado, de carteirinha, de 1991 a 2010. Teve praticamente toda a carreira vinculada ao PT; trabalhou na Prefeitura de Porto Alegre no governo de Tarso Genro e, no governo Lula, ocupou quatro cargos em ministérios diferentes. Desfiliou-se do partido em 2010 bem a tempo de concorrer a uma vaga no TRF-4; colocado na lista tríplice da OAB, foi o escolhido pela então presidente Dilma Rousseff.

Mas, segundo o senador lindinho, militante de toga é o juiz Sérgio Moro.

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Sim, é verdade: ao expedir despacho, às 12h05 do domingo louco, afirmando que o desembargador plantonista não tem competência legal para decidir sobre a liberdade de Lula, já que sua ordem descumpria determinação da 8ª Turna do TRF-4, o juiz Sérgio Moro – embora coberto de razão – se expôs a ser chamado de parcial, de perseguidor do ex-presidente.

Ossos do ofício – mas o escopo deste pequeno texto aqui era apenas comentar sobre a manchete dos dois jornais.

O Globo foi infeliz, fez uma manchete pobre, frouxa, boba.

O Estadão contou o que de fato aconteceu: houve uma manobra, mas a manobra não deu certo.

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Como? A Folha?

Verdade. É preciso registrar qual foi a manchete do outro dos três grandes jornais brasileiros.

A Folha foi de “Tribunal federal mantém Lula preso após guerra de decisões”.

Correto. E nada além disso.

Para que este exercício de jornalismo comparado fique melhor, aí vão algumas manchetes de grandes jornais brasileiros nesta segunda-feira, todas melhores, mais substanciosas, mais atraentes, mais informativas do que a de O Globo:

Estado de Minas, Belo Horizonte: “Manobra frustrada”.

Zero Hora, Porto Alegre: “Embate sobre prisão de Lula expõe tensão política e jurídica”.

Correio Braziliense, Brasília: “Fracassa manobra do PT para tirar Lula da cadeia”.

A Tarde, Salvador: “Presidente do TRF4 decide que Lula permanece preso”.

O Liberal, Belém: “Presidente do TRF4 decide que Lula deve seguir preso”.

9/7/2018

Um P.S.: O adjetivo teratológico não é muito usual nos meus textos. Usei aqui porque é forte, expressivo, cai como uma luva para qualificar a manobra tentada pelo PT e pelo seu homem infiltrado no Tribunal Regional Federal da 4ª Região graças a uma canetada do Poste de Lula.

Mas o usei, sobretudo, porque foi o adjetivo que minha filha usou,  no início da tarde do domingo louco, teratológico, com o que o desembargador plantonista havia feito. Juíza, séria, experiente, ficou ainda mais chocada do que eu com a manobra. Mais que um jornalista, ela sabe como esse tipo de coisa faz mal à Justiça e, portanto, à democracia.

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