Crônica da eleição do horror (2)

Dia 2 – Terça-feira, 9 de outubro

 Os candidatos e a Constituição

A manchete de O Globo parece ter sério problema. “Bolsonaro e Haddad prometem respeitar a Constituição de 1988”, diz o jornal.

A promessa foi feita pelos dois candidatos em entrevistas ao Jornal Nacional na noite da segunda-feira, 8/10.

Ora, a obrigação mínima de candidatos à Presidência da República é garantir o respeito à Constituição. Candidato garantir respeito à Constituição é igual a cachorro morder homem, a sol nascer, a águas do rio irem pro mar – é a ordem natural das coisas. Se é ordem natural das coisas, não é notícia.

Notícia é se algum dia o sol não nascer, ou os rios subirem rumo à nascente, ou quando homem morde cachorro. Quando candidato diz que não vai respeitar a Constituição.

Pois é. A questão é que, ao longo de suas carreiras, os dois candidatos, Jair Bolsonaro e Fernando Haddad, assim como os movimentos que representam, demonstraram claramente não ter apreço algum pela Constituição, pelo ordenamento jurídico, pelas instituições brasileiras – pela democracia, em suma.

Desta forma, a manchete de O Globo tem validade, sim. Porque mostra, demonstra, indica que, das duas, uma: ou bem Bolsonaro e Haddad estão mentindo, na cara de pau – coisa em que são experts – ou bem estão se desdizendo, estão querendo demonstrar que mudaram completamente de idéia, de posição.

O próprio jornal lembra aos leitores (é preciso estar sempre lembrando os brasileiros das coisas, porque nossa memória é péssima) que o programa do PT entregue ao TSE prevê a convocação de uma Assembléia Constituinte exclusiva, algo que a Constituição de 1988 não permite. E que o candidato a vice na chapa de Bolsonaro, general Hamilton Mourão, há poucos dias fez críticas ao texto da Constituição e afirmou que uma nova Carta deveria ser redigida por um grupo de “notáveis”. Isso, é claro, entre tantas outras demonstrações de desapreço à Carta e à democracia.

É assim: Bolsonaro e Haddad ou mentem, ou se desmentem.

Os brasileiros validaram o impeachment

O PT sempre chamou o impeachment de Dilma Rousseff de “golpe”. É um dos vários ataques frontais do partido às instituições, uma das várias demonstrações do desapreço do partido pela Constituição, pela ordem democrática. É muito óbvio: ao chamar de “golpe” um instrumento previsto na Constituição, um processo que se desenrolou rigorosamente dentro da normalidade democrática, com votações primeiro na Câmara dos Deputados, em seguida no Senado, em sessões presididas pelo chefe, à época, do STF, Ricardo Lewandowski.

Numa manobra de última hora, esta sim afrontando a Constituição, Lewandowski, com o auxílio do então presidente do Senado, Renan Calheiros, à época aliado do PT, extirpou da condenação de Dilma Rousseff a perda dos direitos políticos por oito anos. Ela foi condenada, perdeu o cargo – mas, ao contrário do que havia acontecido com o outro presidente que sofreu processo de impeachment, Fernando Collor de Mello, manteve o direito de votar e ser votada.

E o PT a lançou candidata ao Senado.

Como bem observou Alexandre Garcia, ainda na segunda-feira, 8/10, e escreveu Merval Pereira em sua coluna no Globo desta terça, o povo pôs as coisas no lugar. Desfez, nas urnas, o jeitinho quebra-galho de Lewandowski e Renan.

Em movimento contrário e no entanto no mesmo sentido, ao dar a maior votação da História a uma candidata a deputada estadual à advogada e professora Janaína Paschoal, o povo sacramentou o apoio ao impeachment. Uma das autoras do pedido de impeachment de Dilma, Janaína recebeu uma votação extraordinária para a Assembléia de São Paulo – 2.060.786 de votos, quatro vezes mais que o segundo colocado, um tal Arthur Mamãe Falei (DEM), que teve 478.280.

Tive admiração por Janaína na época do impeachment. Era uma advogada aguerrida, forte em defesa de suas convicções, clara na exposição dos fatos e dos dispositivos da Lei. Não tenho mais qualquer admiração por ela, já que escolheu o partido do candidato Jair Bolsonaro, e por pouco não foi a candidata a vice na chapa dele. Mas o que sinto não importa.

Ao escorraçar Dilma e aclamar Janaína, o povo legitimou mais uma vez o processo de impeachment, como escreveu Merval Pereira:

“Dos inúmeros significados desta eleição, um deles, por seu simbolismo, chama especial atenção: a ex-presidente Dilma teve a sua candidatura ao Senado recusada pelos eleitores mineiros, que tiraram-lhe os poderes políticos que foram mantidos por uma interpretação fajuta da Constituição avalizada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Ricardo Lewandowski. E a advogada Janaína Paschoal, co-autora do pedido de impeachment, foi a deputada mais votada da história.

“De forma clara e plebiscitária, a tese do golpe foi rechaçada. O povo chancelou o impeachment da Dilma e enterrou a narrativa do golpe.”

Basta o PT ganhar 1 milhão de votos por dia

Sempre ótimo, sempre imprescindível, José Casado mostrou em O Globo desta terça, 9/10, que nada está decidido neste segundo turno. O PT pode derrotar Bolsonaro, tranquilamente:

“O calendário marca: faltam 20 dias, ou 480 horas, para terminar a disputa presidencial. Para vencer, Fernando Haddad e o PT precisam conquistar cerca de um milhão de votos até à meia-noite desta terça-feira, sem perder nenhum dos 31 milhões já obtidos. É imprescindível repetir a proeza, sem parar, todos os dias até o domingo 28 de outubro, quando termina a votação.

“Significa ganhar 41.600 novos eleitores por hora. Ou somar mais 700 a cada minuto. Sem deserções.

“Se não parece possível à nação petista, vale lembrar que em política até o impossível acontece — como demonstrou Jair Bolsonaro, um fiel adversário da democracia, com os seus 49,2 milhões de votos.”

***

Se eu pusesse isso no Facebook, um monte de gente diria que eu estou torcendo para o PT. De fato, inteligência não é mercadoria que sai pelo ladrão na arquibancada de um Fla-Flu – embora chamar o embate Bolzonazi x lulo-petismo de Fla-Flu seja um insulto pesado aos dois times cariocas.

E nazismo os alemães sabem o que é

O maior jornal de Munique, o Süddeutsche Zeitung, publicou nesta terça matéria de página inteira sobre o fenômeno Jair Bolsonaro. Triste, acabrunhada, Inês Lemos da Luz, minha filha do coração, me manda de lá a reprodução da página.

O título, “Mit aller Gewalt”, explica Inês, significa “Com toda violência” – uma expressão que se usa para definir uma situação que acontece com profunda forçação de barra.

A matéria, assinada por Boris Herrmann, que escreve do Rio de Janeiro para o jornal, explica para os leitores alemães que Jair Bolsonaro, o candidato que tem a maior chance de se tornar presidente do Brasil a partir de 1º de janeiro de 2019, é um político de extrema direita, racista, incendiário e amante da ditadura.

Inês, exatamente como minha outra filha, como tantos milhões  brasileiros, aqui dentro e fora, sente profunda vergonha do que está acontecendo.

9/10/2018

Dia 1 – Haddad começa a nova campanha com tiro no pé.

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