Não são poucos os analistas a considerar a eleição de Jair Bolsonaro como o retorno dos militares ao poder. A esquerda que não se reciclou e nem fez o seu acerto de contas com a história vai mais longe. Alardeia que o fantasma de 1964 ronda o país, como se estivéssemos em marcha batida para uma “ditadura fascista”, de cunho militar.
O fato de Bolsonaro ter sido capitão do Exército, a escolha de generais da reserva como ministros do próximo governo e a eleição de alguns militares para o poder legislativo dariam fórum de verdade à tese de que os fardados estão de volta.
Como as aparências são a face enganosa das coisas, é preciso domar preconceitos para identificar qual será o papel das Forças Armadas durante os anos Bolsonaro. Nesse sentido, a entrevista do comandante do Exército, general Eduardo Villas Boas, ao jornal Folha de S.Paulo oferece algumas pistas.
Liderança inconteste da tropa, o general deixa claro que o estamento militar entendeu o quanto foi nocivo para a própria instituição os períodos em que intervieram na vida política nacional. Não é apenas o pensamento do atual alto comando, mas uma cultura que se formou desde do recuo organizado para os quartéis.
Sintomaticamente, o comandante do Exército lembrou que Bolsonaro saiu da caserna há trinta anos. Há uma questão crucial para a cadeia de comando das três armas. A linha divisória entre os quartéis e a política não pode ser ultrapassada. A politização da caserna inexoravelmente leva à corrosão da disciplina, da hierarquia, e estabelece a divisão no seu interior. Isto, querem evitar.
Ainda está fresca em sua memória o tempo em que generais bem postados no Almanaque do Exército eram “caroneados” quando da promoção para escalão superior. O critério da antiguidade era deixado de lado em função das afinidades e idiossincrasias com o presidente-militar.
A promoção de João Baptista Figueiredo a general de quatro estrelas, deixando para trás colegas mais antigos do que ele, apenas para suceder Ernesto Geisel, ilustra bem o quadro da época.
Tudo isto não autoriza concluir que o papel das Forças Armadas será o mesmo dos demais governos. Provavelmente o Alto Comando atuará como eminência parda de Bolsonaro, ou como poder moderador invisível.
A nomeação do general da reserva Augusto Heleno Pereira para o ministro do Gabinete de Segurança Institucional provavelmente corresponde a esse “novo papel” destinado às Forças Armadas. O próprio comandante do Exército disse que isso foi uma sugestão sua.
A questão é saber se, nas circunstâncias atuais, este novo papel é positivo ou não. Provavelmente sim. As Forças Armadas parecem estar dentro da ordem, da regra do jogo e com espírito democrático.
Elas devem se juntar a outros freios e contrapesos do ordenamento democrático, como o Parlamento e o Judiciário, no sentido de conter os impulsos autoritários e os rompantes do próximo presidente, ditados por motivos de fé ou ideológicos.
Este artigo foi publicado originalmente no Bl0g do Noblat, na Veja, em 14/11/2018.
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