Trapalhadas, bate-cabeças, idas e vindas. A 40 dias de sua posse, o presidente eleito Jair Bolsonaro parece não saber o que quer. Nem mesmo consegue formatar o desenho primário do governo. Transita entre dias de extinção e fusão de ministérios, misturando alhos e bugalhos para chegar aos 15 prometidos na campanha, outros de recuo e até de criação de novas pastas, como o recém-anunciado Ministério da Cidadania. E antes mesmo de tomar assento no Planalto já contabiliza sua primeira baixa: a do general da reserva Oswaldo Ferreira.
Responsável pelo Departamento de Engenharia do Exército durante anos e até então afinadíssimo com Bolsonaro, Ferreira não explicou publicamente os motivos de sua desistência. Algo no mínimo curioso para um dos mentores da aglutinação dos transportes, portos, aviação civil, mobilidade urbana, recursos hídricos e saneamento no megaministério de Infraestrutura, imaginado entre o primeiro e segundo turnos da eleição.
Nele estarão concentrados quase todos os recursos de investimento que o país faz – ou deveria fazer. E toda sorte de problemas. Mais de 7 mil obras inacabadas, boa parte delas vítimas da corrupção. Absurdos como as Ferrovias Norte-Sul, em construção há 31 anos, e Transnordestina, iniciada em 2006 e completamente abandonada, além de heranças pesadas dos PACs do ex Lula e da presidente cassada Dilma Rousseff.
Se Bolsonaro começou a transição em grande estilo, com o anúncio do juiz Sérgio Moro para a Justiça e de gente de peso, como Joaquim Levy para o BNDES, foi o primeiro a colocar seu próprio governo na berlinda ao emitir sinais contraditórios.
Ora quer juntar Agricultura e Meio Ambiente. Depois não quer mais, quer de novo para logo não querer. Pouco antes já havia migrado o ensino superior para a área de ciência e tecnologia. Voltou atrás. O mesmo ocorreu com o Trabalho, extinto, ressuscitado e, na última versão, anexado aos ainda inexistentes ministérios da Produção ou da Cidadania. Minas e Energia, que chegou a ficar embaixo da Infraestrutura, continuará independente. Cultura e Esportes devem ir para a Educação. Pelo menos até novas mudanças.
Os recuos, dirão alguns, podem apontar para alguém capaz de alterar rumos quando é convencido da necessidade de fazê-lo, o que seria mérito. Tomara. Mas a frequência das correções parecem mais efeito da dureza da realidade, muito diferente do blablablá de campanha, na qual à fala não se obriga lastro.
Bolsonaro parece não perceber que cada palavra sua tem consequência. Para o bem e para o mal. Não servem mais apenas como alimento para fiéis reproduzirem nas redes sociais, como ocorria antes de ser eleito. Mexem com mercados interno e externo, com a credibilidade do país.
Defender a imediata reforma da Previdência, até com auxílio do presidente Michel Temer, e, em seguida, dizer que poderá protelar a sua efetivação, deixa aposentados e gente da ativa com o coração na mão. Ou duvidar, publicamente, da eficácia da proposta de capitalização previdenciária de seu Posto Ipiranga, Paulo Guedes, futuro superministro da Economia, de nada ajuda e muito atrapalha em uma questão crucial para o país.
O mesmo vale para as arestas que já criou com árabes, ao anunciar a intenção de mudar a embaixada de Tel-Aviv para Jerusalém, com argentinos e outros integrantes do Mercosul, com a China, país que mais importa produtos brasileiros. Posições que seu indicado para a Chancelaria, embaixador Ernesto Araújo, parece concordar quando discorre sobre a necessidade de o Brasil se aliar ao projeto de Donald Trump, pela “recuperação da alma do Ocidente”. Entre outras sandices, Araújo questiona a teoria do aquecimento do planeta e se opõe à globalização, “pilotada pelo marxismo cultural”. Mas também aqui o mundo real é outro: uma coisa é escrever em um blog, outra é conduzir a política externa do país.
Resta a torcida para que Bolsonaro e seu time assimilem velozmente o choque de realidade. Do contrário, teremos um governo de curto-circuitos.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, na Veja, em 18/11/2018.