Se aqui estamos nesta de Fla x Flu faz tempo, lá no Império do Norte também há a guerra do nós x eles. Agora no domingo, dia 5, tem o Super Bowl, o que para eles é como a final do Brasileirão. Vão se enfrentar Atlanta Falcons e New England Patriots, no espetáculo de maior ibope da TV mundial.
Tenho absoluto desconhecimento de tudo que diz respeito ao futebol americano, mas ouso dizer que a rivalidade de Atlanta Falcons e New Englang Patriots é fichinha perto da rivalidade entre Fla e Flu, entre Corínthians e Palmeiras.
Com toda certeza, é fichinha diante do Fla x Flu brasileiro representado por petistas & satélites x não petistas, ou petralhas x coxinhas, ou “progressistas” x “reacionários”, ou “esquerda” x “direita” – sejam as denominações que o eventual leitor preferir.
Mas é ainda mais cocô do cavalo do bandido diante do Fla x Flu deles representado hoje por trumpistas x antitrumpistas.
Foi minha amiga Ruth Helena Bellinghini que me chamou a atenção: o Fla x Flu lá tá tão feio que eles estão brigando no YouTube nos comentários embaixo do vídeo de Judy Collins cantando “Send in the Clowns”!
“Send in the Clowns” não tem absolutamente nada a ver com política – mas os trumpistas estão discutindo com os antitrumpistas por causa da canção.
Seria mais ou menos – mutatis mutandis, bem mutatis mutandis – como se petralhas e coxinhas discutissem por causa de “Carinhoso”, ou “Se todos fossem iguais a você”.
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Não sei absolutamente nada sobre futebol americano, beisebol, NBA, WBA, essas coisas todas, mas de música gosto muito.
“Send in the Clowns” é uma canção escrita por Stephen Sondheim – e para Stephen Sondheim é preciso tirar o chapéu, sejamos do Atlanta Falcons, do New England Patriots, do futebol, ou do Arizona Diamondbacks, San Diego Padres, Houston Astros, do Colorado Rockies ou Milwaukee Brewers, do beisebol, do Fla ou do Flu, do Corínthians ou do Palmeiras.
Stephen Sondheim é o último dos compositores da Grande Música Americana. É herdeiro direto da tradição dos mestres maiores, Irving Berlim, Cole Porter, George & Ira Gershwin.
Ele é o cara que escreveu as canções de West Side Story com Leonard Bernstein.
Faz tanto letra quanto música. Na prateleira de sua casa, tem um Oscar, oito Tonys, o Oscar do teatro (ninguém tem mais Tonys do que ele), oito Grammies, um Pulitzer, um prêmio Laurence Olivier, a Medalha Presidencial da Liberdade. Foi descrito no New York Times como “o atualmente maior e talvez mais conhecido artista do teatro musical americano”.
Ele está para a música americana mais ou menos assim como Antônio Carlos Brasileiro Jobim está para a deste país cuja melhor commodity é a música.
Stephen Sondheim escreveu “Send in the clowns” para o musical A Little Night Music, de 1973, uma adaptação do filme Sorrisos de uma Noite de Verão, de Ingmar Bergman, que por sua vez é uma adaptação bergmaniana da peça de William Shakespeare Sonho de uma Noite de Verão.
Na canção, Desirée, uma das personagens principais do musical, reflete sobre as ironias e os desapontamentos de sua vida, como diz a Wikipedia.
As peças de teatro apresentadas na Broadway (ou em qualquer outro lugar do mundo) precisam ser fáceis, atraentes, populares, e as peças de Stephen Sondheim fazem tremendo sucesso – mas seu texto é rico, requintado, chique. Até mesmo rebuscado – embora tente parecer simples, acessível, tranquilo.
A letra de “Send in the clowns” é de uma extraordinária riqueza poética.
Quem canta – Desirée, na peça, mas qualquer ser humano que queira cantar a maravilha, no banheiro de casa, no bar da esquina – está diante de um desencontro absoluto. Segundo a definição sublime de Vinícius, a vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida – e o orador da canção está falando de um desencontro. Fala da maneira mais irônica possível, e sabemos que a ironia é a forma mais triste de tentar rir das desventuras da vida.
Quem canta diz que está plantado no chão, enquanto o ser amado está lá no alto – como se estivessem num circo, e como se fossem trapezistas. “Me here at last on the ground, You in mid-air.”
E então, se o desencontro é como num número de circo, onde estão os palhaços?
Deixem entrar os palhaços!
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“Send in the clowns” foi gravada por Frank Sinatra em 1973. Depois foi gravada também por Sarah Vaughan, Shirley Bassey, Judi Dench, Cleo Laine, Perry Como, Grace Jones, Barbra Streisand, Zarah Leander, Tiger Lillies, Joyce Castle, Ray Conniff, Glenn Close, Cher, Bryn Terfel, Plácido Domingo, Madonna, Mark Kozelek, Rose Jang, Steve Forber – entre muitos outros.
No entanto, por um desses estranhos desígnios do destino, a gravação que fez grande sucesso foi de uma cantora que não tinha nada a ver com a Grande Música Americana, jazz ou pop – Judy Collins, uma cantora de folk songs, canções folclóricas, aquela praia de Woody Guthrie, Pete Seeger, Bob Dylan nos seus primeiros anos, Joan Baez, Peter, Paul & Mary.
Judy tem uma voz doce, suave – das vozes mais doces, suaves que já foram ouvidas neste insensato mundo.
Ela gravou a canção que a rigor não deveria ser parte de seu repertório no seu disco de 1975, Judith.
Estourou.
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Aqui vai a pérola que é a letra da canção, com uma tradução que peguei com uma googlada:
Isn’t it rich? Are we a pair?
Me here at last on the ground, You in mid-air. Where are the clowns?
Isn’t it bliss? Don’t you approve? One who keeps tearing around, One who can’t move. Where are the clowns? There ought to be clowns.
Just when I’d stopped opening doors, Finally knowing the one that I wanted was yours. Making my entrance again with my usual flair, Sure of my lines – No one is there.
Don’t you love farce? My fault, I fear, I thought that you’d want what I want, Sorry, my dear But where are the clowns? Send in the clowns. Don’t bother, they’re here.
What a surprise! Who could foresee I’d come to feel about you What you felt about me? Why only now when I see That you’ve drifted away? What a surprise… What a cliché…
Isn’t it rich? Isn’t it queer? Losing my timing this late in my career – And where are the clowns? There ought to be clowns. Maybe next year.
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Não é precioso?
Nós somos um par? Eu aqui, finalmente no chão, Você no meio do ar. Onde estão os palhaços?
Não é um deleite? Não concorda? Alguém que anda chorando, Alguém que não pode se mexer. Onde estão os palhaços? Tem que haver palhaços.
Logo quando parei de abrir portas, Finalmente acreditando que a que desejava era a sua, Fazendo novamente minha entrada com o charme usual, Seguro das minhas falas – Ninguém estava lá.
Você não gosta de farsa? Erro meu, temo. Pensei que você queria o que eu queria – Desculpe, minha querida. Mas onde estão os palhaços? Não se importe, eles estão aqui.
Mas que surpresa. Quem poderia prever Que eu viria a sentir por você O que você sentia por mim? Por que só agora, quando vejo Que você foi embora? Que surpresa. Que clichê.
Não é precioso? Não é esquisito? Errando o passo depois de tanto tempo no meu ofício – E onde estão os palhaços? Tem que haver palhaços. Talvez ano que vem.
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E agora, 42 anos depois, trumpistas e antitrumpistas enchem de comentários o vídeo de Judy Collins cantando “Send in the clowns”!
A rigor, não dá para achar estranho.
Afinal, os eleitores americanos mandaram o palhaço assumir o controle do palco. Transformaram o Salão Oval no picadeiro de um circo mambembe.
Não foi a maioria, a gente sabe. O palhaço teve 2,8 milhões de votos a menos, mas o sistema eleitoral deles é assim mesmo, desde 1776. A mim e a muita gente parece incrível que um sistema criado em 1776 ainda esteja valendo, mas por outro lado tem muita gente que diz que é por isso que ele é bom, porque nunca foi mudado, é puro, imaculado.
O colégio eleitoral inventado pelos Founding Fathers determinou que Donald Trump é o presidente, e então eles sent in the clown.
É uma tristeza danada, mas de fato a bela canção de amor, ouvida hoje, tem um pouco a ver com o que está acontecendo.
Puseram o palhaço no centro do picadeiro.
4/1/2017
QUAL A DOS TRICOLORES? Não houve respeito às maiorias, afinal o que são 2,8 milhões de votos?
Os flamenguistas choram, pois maioria, 54 milhões de votos nada representaram.
Os apologistas do golpe, bateram panelas e agora gritam vasco.
Eu não ficaria surpreso se qualquer hora resolverem send out the clown. Foi simplesmente inacreditável ver os americanos elegendo o seu próprio Hugo Chaves.