Chave-mestra para as investigações da Lava-Jato, o instituto da delação premiada pode ganhar nova interpretação nesta semana, fragilizar a operação e adicionar mais uma guerra às já deflagradas entre os poderes.
Desta vez opondo a Procuradoria-Geral da República ao Supremo Tribunal Federal, caso o plenário da Corte decida rever os termos das colaborações dos irmãos Batista, beneficiados com imunidade absoluta.
A questão será analisada na quarta-feira. A hipótese de a tese de revisão ser aprovada reduz o poder de negociação da PGR – uma arapuca para a Lava-Jato, que os investigados pela operação tentam com afinco, mas que acabou armada pela própria Procuradoria.
A PGR pode até espernear, mas se algo mudar será única e exclusivamente pela frouxidão do acordo firmado com os donos da JBS.
Por mais que o Procurador-Geral Rodrigo Janot afirme e reafirme que o teor da delação compensava todas as benesses, nem especialistas, quanto mais o cidadão comum, conseguem compreender como a instituição que comanda o combate à corrupção acabou por fazer valer o dito de que o crime compensa.
Ainda que tenham gravado um diálogo nada republicano com o presidente Michel Temer e outros com Aécio Neves, e combinado ações com a Polícia Federal para efetuar flagrantes que complicam Temer e o senador tucano afastado, os Batista ditaram e obtiveram regalias inexplicáveis. Sem parâmetros no mundo.
Causaram escárnio as imagens do apartamento de luxo de Joesley em Nova York, de seu jato particular e do embarque de seu iate de US$ 10 milhões para os Estados Unidos; a confissão de que corrompera 1.893 políticos. Todos os crimes perdoados – enfiados goela abaixo dos brasileiros pela PGR.
Criada no governo Fernando Henrique Cardoso, em 1999, no bojo da Lei 9.807 sobre Proteção a Testemunhas e Colaboradores, a delação premiada reaparece na Lei 12.850, que define organização criminosa, assinada pela então presidente Dilma Rousseff, em 2013. Uma lei não anulou a outra. E entre uma e outra as mudanças mais significativas se referem ao detalhamento das delegações dadas ao Ministério Público e à Polícia Federal para formalizá-las.
Mas o que chama atenção é o pouco caso que se faz da legislação. O parágrafo 1o da Seção I da lei de 2013 — “a concessão do benefício levará em conta a personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso e a eficácia da colaboração”— fornece, por exemplo, elementos de sobra para que a PGR negasse os termos exigidos pelos irmãos Batista no pacto. Mais adiante, o parágrafo 3o do Artigo 6º fixa a manutenção do sigilo do acordo até o recebimento da denúncia, preceito inútil para quase a totalidade das delações no âmbito da Lava-Jato.
No Supremo, a tendência é de revisão do acordo dos Batista. Mas em alguns termos, algo bem pontual. Difícil será fazê-lo sem colocar em risco acordos já firmados e outros que estão em negociação. É nesse ponto que a defesa da PGR deve se ater: a segurança jurídica.
O STF avaliará também se a homologação de delações pode ou não ser feita pelo juiz relator do processo ou se é sujeita, obrigatoriamente, a deliberação colegiada. E se o inquérito para investigar Temer e o ex-deputado Rodrigo Loures (PMDB-PA) continuará ou não com o ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato. Na contramão do desejo de Temer, têm-se como favas contadas a vitória de Fachin.
Seja qual for a decisão do STF na quarta-feira, uma coisa é certa: o país não suporta mais a corrupção, mas também não tem estômago para delações que premiam excessivamente criminosos confessos. Cabe à Justiça evitar essa indigestão.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 18/6/2017.