Foram muito, muito, muito impressionantes as imagens de Antonio Palocci diante do juiz Sérgio Moro, nesta quarta-feira, 6/9, abrindo o verbo sobre as relações corruptas entre os governos Lula e Dilma e a Odebrecht. Muito, muito impressionantes.
Várias das expressões que aquelas imagens merecem foram ficando muito desgastadas pelo uso desregrado. Mas elas são de fato históricas. Antológicas. Emblemáticas. Definitivas.
Após 30 anos de amizade íntima com Lula, 30 anos de militância no Partido dos Trabalhadores, Antonio Palocci falou ao juiz Moro e ao país sobre as relações incestuosas, ilícitas, pecaminosas, criminosas, entre Lula e o PT de um lado, e um dos maiores grupos privados do país, de outro – um lado, o primeiro, entrando com facilidades, o outro, o segundo, com propina.
Antonio Palocci usou diversas vezes a palavra “propina”. Propina: suborno. Dinheiro pago em troca de favores. Corrupção. Ladroeira.
Diante de Sérgio Moro, e daquela câmara usada na 13ª Câmara Federal de Curitiba que já havia exposto o próprio Lula ao escrutínio de todo o Brasil, Antonio Palocci agiu o tempo todo como Antonio Palocci sempre agiu. Falava com a voz de sempre. Falava como se estivesse dando uma coletiva para anunciar uma medida econômica, quando foi ministro da Fazenda no primeiro governo Lula. Ou como se estivesse dando uma entrevista como deputado que foi por dois períodos, entre 1999 e 2000 e depois entre 2007 e 2011.
Palocci fala com voz pausada, com clareza absoluta. Seu raciocínio é lógico, ele jamais se perde; a figura do anacoluto – a quebra da estrutura de uma frase, que indica uma quebra de pensamento – não existe para ele. A forma com que Palocci fala demonstra inteligência, domínio total do tema sobre o qual se expressa.
Ao falar nesta quarta-feira diante de Sérgio Moro e do Brasil, ao dar o testemunho mais absolutamente definitivo sobre os continuados crimes dos governos Lula e Dilma que já foram dados até hoje, Palocci não demonstrava nervosismo, tensão, medo, apavoramento. Muito ao contrário: parecia com o mesmo Palocci de sempre.
Não parecia, de forma alguma, mas de forma alguma, falar porque havia sido vítima de tenebrosíssimas sessões de torturas. Porque havia sido forçado a fazer algo que não desejava.
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Todos nós que fomos comunistas – mesmo que, como no meu caso, sem a carteirinha – deveríamos nos lembrar bem dos julgamentos da Era Stálin.
O camarada fundamental de ontem caía em desgraça por algum motivo qualquer; era preso, torturado das formas mais bárbaras, mais absurdas que se pode imaginar, para confessar crimes que não cometeu contra a Revolução, o Partido, o Líder Maior. E confessava. Em julgamentos falsos, encenação pura, diante de juízes que não estavam ali para julgar e advogados de defesa que estavam ali apenas para participar da encenação, o ex-camarada repetia a confissão que os torturadores o haviam feito decorar.
A Confissão (1970), de Costa-Gavras, é uma das melhores transposições dos processos stalinistas para a ficção. Muito depois, já neste século, em 2009, 20 anos após a implosão do império soviético, o cubano Leonardo Padura reconstituiu no seu O Homem Que Amava os Cachorros o modus operandi do stalinismo para torturar, fazer confessar e julgar os caídos em desgraça.
Deve de fato ter sido um espetáculo absolutamente melancólico, triste, depressivo, horrendo, para os verdadeiros comunistas da União Soviética, como Liev Davidovitch Bronstein, ver velhos companheiros, lutadores de primeira hora, confessando publicamente crimes que não haviam cometido.
Antonio Palocci confessou hoje, ao vivo e em cores, crimes de que de fato participou.
Os fiéis da seita, os que não conseguem ver, ouvir, cheirar absolutamente nada que seja contra o Deus Lula, esses parece que andam dizendo aí nas redes sociais que Palocci só disse “as mentiras” que disse hoje por ter sido duramente torturado.
Contra fanatismo, não há possibilidade de argumento.
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Euzinho, eu mesmo, eu aqui no meu cantinho, fiquei assombrado com as imagens de Palocci dizendo – com a mesma calma com que apresentava uma nova medida econômica – que Lula tinha um “pacto de sangue” com a Odebrecht.
O que faz um homem, após 30 anos de amizade íntima com o líder da turma, o Stálin da vez, dar declarações que, aos olhos dos lulo-petistas, são “traição”?
O que faz um homem inteligente, lúcido, plácido, como Antonio Palocci, comprar para sempre o ódio dos fiéis da seita lulo-petista?
Essas questões mexem comigo. A imagem de Palocci falando com aquele jeito Palocci de ser me impressiona, me assusta, me choca.
É um divisor de águas, é um fato que muda a História.
Depois que vi as imagens de Palocci duas vezes em seguida, primeiro no Jornal Nacional (que não via desde 18 de maio), depois no Jornal das 10 da GloboNews (que tinha parado de ver no dia 18 de maio), não consegui ver mais nada.
Numa passada rápida de olhos pelo Facebook, vi que minha amiga Vera Martins, um farol, sempre atenta a tudo que rola nas redes, observou que Ricardo Kotscho, no seu blog, falou de possível “fim da linha para o PT”.
“Agora, com o depoimento do ex-ministro Antonio Palocci, homem de absoluta confiança do ex-presidente, ao juiz Sergio Moro, na tarde desta quarta-feira, essa estratégia cai por terra e se tornou indefensável”, escreveu Kotscho.
Senti esse impacto, quando vi as imagens de Palocci na TV. Estratégia que cai por terra. Indefensável. Fim da linha. Momento histórico.
Mas, para mim, naquele momento, o que mais importava era tentar saber o que, ali, diante de Sergio Moro, derrubando definitivamente a estratégia de Lula, Antonio Palocci estava sentindo. Pensando. Querendo.
Palocci pode ser acusado de absolutamente tudo – menos de traidor.
Se ele deixou de defender o partido, o amigo de 30 anos, foi porque o partido, o amigo de 30 anos traiu o que ele queria para o País.
6/9/2017
Excelente observação:”contra o fanatismo não há possibilidade de argumento”.
É a Delação do Fim do Lula.
É Servaz… tudo muda nesta vida, não? Até mesmo
as amizades.
Como sempre, seu texto é de uma lucidez… e muito gostoso de ser lido!
É isso aí!
Um abraço:
Márcia