Falei asneira, falei besteira. Errei. Errei feio – e me penitencio por isso.
Falei mal aqui de Luiz Edson Fachin, quando ele foi indicado por Dilma Rousseff para uma vaga no Supremo Tribunal Federal – a vaga de Joaquim Barbosa, que havia ficado em aberto por longos oito meses.
Falei mal dele aqui, neste blog, e também no Facebook e no Twitter.
Duvidei de sua isenção, de sua independência, por causa de suas ligações, no passado, com o PT e com Dilma.
Em abril de 2015, fiz um texto com o título de “Dilma está nos chamando de idiota” – com o complemento: “Indicar um garoto-propaganda para o STF é um acinte”.
Dizia que Edson Fachin tem, sim, notório saber jurídico: “É mestre e doutor em Direito pela PUC de São Paulo. Fez pós-doutorado no Canadá, atua como pesquisador convidado do Instituto Max Planck, da Alemanha. É professor visitante no King’s College”, da Inglaterra.
E dizia mais:
“Não interessa se o doutor Fachin é o melhor jurista que já houve no mundo. Ele pode ser o maior jurista que já pisou na face da terra – mas ele não pode ser ministro do Supremo Tribunal Federal, de forma alguma, porque ele é petista. Ele trabalhou para a CUT, o MST. Ele foi garoto-propaganda da candidata Dilma Rousseff em 2010.”
E continuava:
“Como estes são tempos ruins, horrorosos, sem qualquer tipo de respeito à ética, já temos na nossa Suprema Corte dois petistas de carteirinha: Ricardo Lewandowski, cuja atuação em defesa dos mensaleiros o país viu na TV, e Dias Toffoli, o neguinho que trabalhou a vida inteira para o PT e – embora tenha levado bomba duas vezes nas duas tentativas de virar juiz estadual, com saber jurídico equivalente ao de uma banana, vai julgar agora o petrolão. Incapacitado, mas com poder de raposa sobre as galinhas.
“Indicar um sujeito que fez campanha para Dilma na TV para a vaga deixada por Joaquim Barbosa, no momento em que milhões de brasileiros vão às ruas clamando contra a corrupção e pedindo fora Dilma, ah, isso é um acinte. Uma provocação. O governo está nos chamando, a nós todos, brasileiros, de imbecis.”
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Eu estava errado. Falei asneira.
Não sobre Lewandowski e Dias Toffoli. Não, isso não.
Eu estava errado, falei asneira quanto a Luiz Edson Fachin.
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E não foi por falta de aviso que errei. Tenho um irmão e uma cunhada de carreiras nobres, exemplares, de décadas, na área de Direito em Curitiba, onde o gaúcho fez carreira, e perguntei a eles sobre Fachin. Como escrevi naquele texto de abril de 2015, quase exatos dois anos atrás:
“Só ouvi elogios – nem um único senão, um único questionamento. Eis algumas expressões que usaram:
“Ótima pessoa. elegante, educado, gentil, sereno. Se é ou foi PT, nunca foi xíita, nem de longe. Equilibrado. Uma cabeça imensa como jurista. Pessoa discreta, muito elegante, ponderadíssimo, conhecimento amplo, sensível, ligado a questões sociais, jamais um radical ou pessoa que mereça críticas quanto ao comportamento.”
E então eu finalizava:
“Apesar de ter ouvido todos esses elogios, mantenho as mesmas críticas que fiz aqui. Por melhor jurista que seja, é partidário, fez campanha para Dilma, tem ligações com CUT, MST, PT. Não poderia jamais ser indicado para o STF.”
Pois é. Eu estava errado. Falei um monte de besteira.
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Luiz Edson Fachin é a comprovação nítida, clara, definitiva, daquela verdade sobre que tantos bons analistas de política já escreveram: uma vez no STF, o ministro faz o que bem entender. Depois de indicado pelo presidente da República e aprovado pelo Senado conforme exige a Constituição, o ministro é senhor de si mesmo.
Não precisa mais agradar a quem o indicou, quem apoiou seu nome. Não precisa demonstrar gratidão a ninguém. Não tem que. Está lá – pronto, é independente. É Supremo.
Claro: o ministro pode querer agradar aos que o puseram lá. Pode fazer o jogo de quem for. Ele pode tudo. É Supremo.
Pode ser parcial. Pode ser partidário.
Se quiser, pode ser.
E aqui uso as palavras de Fernando Gabeira. Ainda hoje, Fernando Gabeira, uma das mentes mais lúcidas da política brasileira das últimas décadas, figura absolutamente impoluta, escreveu na página 2 do Estadão:
“Parece estranho usar esse verbo, mas Gilmar Mendes lidera a maioria na turma do Supremo Tribunal Federal (STF) que trata da Lava Jato. Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli fecham com ele, porque, fiéis ao PT, são do gênero de magistrado bolivariano, que faz tudo o que seu governo quer.”
Lewandowski e Dias Toffoli servem aos interesses do partido que apóiam.
Podem fazer isso?
Podem. Uma vez no Supremo, cada ministro pode tudo. Manchar sua biografia, cobrir-se da fúria dos cidadãos, ser motivo de chacota nas redes sociais, de críticas virulentas porém com argumentações impecáveis em editoriais e artigos na imprensa grande e por isso independente.
Cada ministro do Supremo pode tudo.
Pode, caso queira, se demonstrar íntegro, honesto, correto, atento, sério, respeitável, admirável. Como vem provando Luiz Edson Fachin a cada dia.
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Depois de ele e o decano Celso de Mello terem sido vencidos seguidas vezes, na Segunda Turma do STF, pela união de Lewandowski e Dias Toffoli com Gilmar Mendes, que votaram pela libertação de três investigados na Operação Lava Jato – José Carlos Bumlai, João Cláudio Genu e, anteontem, quarta, 3/5, José Dirceu, o ministro Fachin encaminhou o pedido de habeas corpus de Antonio Palocci ao pleno do Tribunal.
Se permitisse a tramitação normal do pedido de habeas corpus, para a Segunda Turma, o resultado seria o garantido, o que o país já conhece: Celso de Melo e Edson Fachin, negar o pedido; o Trio Ternura Lewandowski-Toffoli-Gilmar, aceitar o pedido. 3 a 2. Réu nas ruas.
A prova de que seriam favas contadas na Segunda Turma é que, na mesma quarta-feira em que se decidiu pela libertação de Dirceu, Palocci dispensou o advogado especialista em delação premiada que havia contratado poucos dias antes.
Pra que pensar em fazer delação premiada, se está lá o Trio Ternura para garantir que petista ou amigo da turma sai solto rapidinho?
A desfaçatez é tamanha que a defesa de Antonio Palocci se insurgiu, raivosa, contra a decisão de Fachin (transmitida de antemão, aliás, à presidente da Corte, a ministra Cármen Lúcia) de mandar o caso polêmico para o plenário.
Eis a notícia dada pelo portal do Estadão pouco depois do meio-dia desta sexta-feira, 5/5:
“A defesa do Antonio Palocci, ex-ministro da Casa Civil, apresentou um recurso contra a decisão do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), de levar para julgamento no plenário o habeas corpus do cliente, preso preventivamente na Operação Lava Jato. O advogado criminalista José Roberto Batochio, no agravo regimental, afirmou que a decisão é ‘desfundamentada’ e fere a competência da Segunda Turma do STF para julgar o pedido de liberdade – é este o colegiado responsável pelos casos da Lava Jato.
“Batochio pede que este recurso, em si, seja julgado na 2ª Turma do STF, antes mesmo do julgamento do mérito do habeas corpus.
“Na manifestação, de 21 páginas, o advogado também questionou as possíveis razões de o ministro ter levado o tema para o plenário e disse que houve interpretações na imprensa de que Fachin teria feito isso na esperança de reverter uma série de derrotas na 2ª Turma – que, nas duas últimas sessões, determinou a libertação de três condenados da Lava Jato na primeira instância, o pecuarista José Carlos Bumlai, o ex-assessor do PP João Cláudio Genu e o ex-ministro José Dirceu. ‘Não se pode acreditar que a guerreada decisão possa ter sido inspirada em motivos outros que não a interpretação da lei’, comentou Batochio.
É um escândalo de desfaçatez. É absolutamente inacreditável. Como sintetizou um colega, Rafael Noronha, no Facebook: o réu quer escolher os juízes!
Me alonguei talvez mais do que necessário na reação do advogado de Palocci.
Não gostaria de perder o foco deste texto.
É que a reação do advogado Batochio tem tudo a ver com o foco deste texto.
O ministro Luiz Edson Fachin engrandece a Justiça, a democracia.
Nenhum pedido de desculpa apagará o fato de que falei besteira sobre ele.
Mas errei, e por isso peço desculpas.
5/5/2017
Foto Nelson Jr./STF
Continua errando feio?