Parodiando o Manifesto Comunista: um espectro ronda o Brasil, o espectro de Jair Messias Bolsonaro. Ele existe e deve ser levado a sério. Há menos de um ano, os analistas, de forma quase unânime, o viam como fogo de palha, cuja chama se apagaria rapidamente. Hoje é alçado à condição de popstar por parcela cada vez mais crescente de jovens, muitos deles ex eleitores de Lula e Dilma Rousseff.
E tem demonstrado resiliência nas pesquisas eleitorais. Para quem insiste em subestimá-lo é bom lembrar que um certo cabo também não foi levado à sério na Alemanha dos anos 1920.
Sua ascensão não guarda similaridade com a onda nacional populista da América e do Velho Mundo. Não é decorrência direta dos efeitos perversos da globalização, razão pela qual Bolsonaro não tem um programa articulado, como tiveram Donald Trump e Marine Le Pen, com suas plataformas regressistas. Nesse particular, o queridinho da nova direita brasileira é completamente vazio de idéias.
Tampouco pode ser explicada pela simplificação petista segundo a qual a emergência da extrema direita é uma reação das classes médias à inclusão social verificada nos anos Lula. Na verdade, são os descalabros do petismo que fizeram surgir essa onda extremista.
O “Bolsonarismo” – sim, já é possível falar nesse fenômeno devido à visibilidade que ele deu a uma extrema direita até então enrustida, escondida no armário -, é filho direto da grave crise ética advinda do projeto de poder do lulo-petismo e retroalimentada pela degradação dos demais partidos políticos. A erosão econômica e social gerada por Lula e Dilma é mais lenha nessa fogueira.
Não gratuitamente, suas bandeiras são a defesa da moral, dos “bons costumes” e o combate à corrupção. Face à ausência de uma alternativa democrática à grave crise de representação, passa a ser visto por parcelas significativas da sociedade como o outsider, o anti-sistema, o “diferente de tudo que está aí”. Ou até como o “anticapitalista”, como o definiu uma de suas admiradoras.
É uma falácia, claro. Bolsonaro está na seara da política há décadas, seu discurso do ódio não passa de um upgrade de muitas idéias de 1964, responsáveis por mergulhar o país na mais longa interrupção democrática. Suas propostas são simplistas – como a de nomear um general para o Ministério da Educação.
Mas as crises são terrenos férteis para soluções simplistas. São nelas que os encantadores de serpente proliferam.
Até as manifestações multitudinárias do impeachment de Dilma, o clamor ético da sociedade canalizava-se para uma renovação positiva da vida política nacional, com a bandeira sendo empunhada, principalmente, por forças comprometidas com os valores democráticos.
A “direita alternativa” também se fazia presente nas ruas, mas de forma residual e anacrônica, com sua pregação de intervenção militar.
Com o governo Michel Temer no epicentro da crise ética e com o PSDB paralisado e arrastado para a vala comum dos escândalos, amplia-se o desencanto e o descrédito dos brasileiros com a política e as instituições. Entre elas a própria Justiça, afetada pelo julgamento do TSE e o acordo de delação com o dono na JBS, que permitiu um criminoso confesso gozar a vida tranquilamente nos prazeres de Nova York.
Está dado, portanto, o caldo de cultura para o crescimento de sua candidatura, se não houver, por parte do amplo centro democrático, uma resposta à questão ética. Não são bons os exemplos históricos do estrago causado pela bandeira da anticorrupção quando ela esteve a serviço de forças antidemocráticas. No passado, isto levou ao suicídio de Getúlio Vargas e ao golpe de 1964.
Em tempos de crise, vêm à tona os sentimentos mais mesquinhos da sociedade e a busca desesperada por soluções ilusionistas. Bolsonaro explora essas tendências, com a defesa da pena de morte, do liberou geral no comércio de armas, da castração química, da criminalização do aborto, da homofobia. E trabalha com o senso comum de parcelas da sociedade, segundo o qual os direitos humanos não foram feitos para bandidos.
Burila sua imagem como o candidato antielite e antiesquerda, estimulando sentimentos como o de uma de suas seguidoras: “a esquerda se droga, transa com animal, com gente do mesmo sexo”.
Seu discurso esquerdofóbico dá Ibope porque a experiência concreta que os brasileiros conheceram com o nome de esquerda foi um desastre. Para amplas parcelas da população, o PT simboliza o que há de mais nefasto na política brasileira e é o grande responsável por sua tormenta.
Como os extremos se atraem, Lula precisa de Bolsonaro e Bolsonaro precisa de Lula. Aos dois interessa a eliminação do centro e a cristalização dessa polarização, em 2018. Aí o PT virá com o discurso do “Lula ou a barbárie” e Bolsonaro se vestirá de cruzado da guerra santa contra o petismo.
Não há santo nessa guerra. Muito menos ela interessa ao Brasil. A cultura política do país é de rejeitar extremos. Eles só se impuseram ao longo da nossa história quando o centro democrático, largamente majoritário, foi incapaz de costurar uma saída virtuosa.
Para desinflar o balão de Bolsonaro a bandeira da ética tem de retornar às mãos dos democratas.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 21/6/2017.