Na prática a teoria é outra

“De tal maneira que, depois de feito, desencontrado eu mesmo me contesto. Se trago as mãos distantes do meu peito é que há distância entre intenção e gesto.” O verso do poeta Chico Buarque no seu “Fado Tropical” serve para ilustrar o desencontro tucano no tocante à reforma previdenciária.

Seu novo presidente, o governador paulista Geraldo Alckmin, e as principais lideranças peessedebistas fizeram arraigadas defesas da reforma na convenção partidária, mas apenas sete dos seus 46 deputados federais se mostram dispostos a votar a favor da PEC da Previdência.

Onze são contrários e o restante, bem ao estilo tucano, está em cima do muro ou esconde como vai votar. Não estranhem se muitos sequer apareçam no dia da votação.

O PSDB sempre se jactou de ser o partido das reformas. De fato, no governo Fernando Henrique Cardoso implementou um programa reformista extremamente benéfico ao país.

Teve a coragem política de enfrentar e derrotar as forças do atraso, capitaneadas pelo Partido dos Trabalhadores, que se opuseram à estabilização da moeda, à quebra do monopólio do petróleo, ao saneamento do sistema financeiro, à privatização das teles ou à lei da responsabilidade fiscal.

FHC só não conseguiu aprovar a idade mínima na reforma da Previdência porque o então tarimbado deputado tucano Antônio Kandir “se enganou” na hora de votar, apertando a tecla abstenção.

Desde aquela época a social-democracia entendia a reforma da Previdência como imprescindível para o equilíbrio fiscal e para acabar com privilégios, principalmente de funcionários públicos. De lá para cá o déficit previdenciário cresceu exponencialmente, colocando o país diante da possibilidade de um colapso de proporções catastróficas.

Por tudo isso, seria mais do que natural os parlamentares tucanos cerrarem fileiras em torno da PEC da Previdência e o PSDB fechar questão em torno de sua aprovação. Entretanto, as resistências internas são enormes.

Ungido presidente do partido praticamente por unanimidade, Geraldo Alckmin tem uma enorme batata quente em suas mãos.

Não bastam apenas suas palavras favoráveis à reforma previdenciária. Terá de demonstrar a que veio. Se será capaz de levar sua legenda a superar a crise, de dar um norte ao partido. Não entregar a mercadoria – e por ela entenda-se fechar questão pela aprovação da PEC -, Alckmin estará complicando, e em muito, a possibilidade de ter em seu palanque o PMDB e outros partidos da base governista. Não por acaso, já incentivou seus secretários deputados, Samuel Moreira e Floriano Pesaro, a assumirem seus mandatos no dia da votação da reforma.

Um PSDB dilacerado na hora da votação será a prova viva de uma liderança fraca, incapaz de aglutinar os seus, que dirá as outras forças do campo democrático.

A torre de Babel instalada na bancada tucana é produto da longa crise de identidade do PSDB. Por não ter defendido o seu legado e por não ter gerado um novo projeto para a nação, a social-democracia perdeu o seu charme, entrou em barafunda.

Em vez de crescer, inchou.

Isso reflete-se na sua bancada de parlamentares, onde cada cabeça é uma sentença. Contam-se nos dedos os que são capazes de subordinar seus interesses particulares aos interesses da nação. As justificativas para serem contrários à reforma dão bem a dimensão desse processo de confusão mental.

Muitos comungam do temor de que, com a aprovação da PEC, a economia se recupere a ponto de tornar competitiva uma candidatura saída do ventre governista como a do ministro Henrique Meirelles ou do presidente da Câmara Rodrigo Maia.

O PSDB vai trabalhar para que o país não dê certo? O quanto pior melhor nunca foi a sua praia.

Ademais, a candidatura Alckmin não empolgará corações e mentes por meio de dubiedades dele ou de seu partido em relação às reformas. Ao contrário, suas chances eleitorais estão na clareza de adotar um programa abertamente reformista e renovador dos costumes políticos.

Convenhamos, seria muita esquizofrenia deputados do PSDB ajudarem a enterrar a reforma da Previdência, ao mesmo tempo que o tema é bandeira em seu programa e seu candidato a presidente pretenda defender a medida em seu palanque. Isto cheiraria a hipocrisia, facilmente notada pelos eleitores, explorada por seus adversários e desmascarada pela imprensa e formadores de opinião.

Com a dubiedade tucana, os partidos governistas se sentirão com as mãos livres para lançar um candidato que defenda o legado de Temer. Obviamente, a divisão do centro prejudicaria Geraldo Alckmin.

Iludem-se os deputados que pensam se reeleger defendendo privilégios de corporações, a exemplo da nota técnica da bancada que exigiu novas concessões ao funcionalismo. Não atrairão o eleitorado cativo do PT e se indisporão com seu eleitorado tradicional e reformista.

Suponhamos uma derrota da PEC pela falta de dez ou 15 votos de deputados do PSDB. O argumento Kandir não cola mais. Ao PSDB ficará o fardo de ter enterrado a reforma da Previdência por duas vezes e de ser um partido no qual na prática a teoria é outra.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 13/12/2017. 

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