Mato quem lhe toque

Há cartazes que valem o filme. Não sei quem ainda se lembra de Joaquin Phoenix a brilhar em Buffalo Soldiers, mas ninguém se atreve a esquecer a frase promocional, “War is hell… but peace is f*#!%!! boring“, cuja ingénua tradução seria “A guerra é o inferno… mas a paz é chata para c*#!%!!”.

Não se julgue que este marketing abrasivo é criação da mente excêntrica do meu amigo Pedro Bidarra. O Pedro terá deliciosas culpas, mas não andava de braço dado com Cukor, na rodagem de The Women, filme quase só de mulheres, meninas de shopping, burguesas ricas, manicuras e condessas. E veja-se o que esparramaram nos cartazes: “135 mulheres. E só têm homens na cabeça.”

Em Unconquered, havia uma escrava, e escuso de gastar adjectivos para lhe louvar a geografia, se disser que a escrava é Paulette Godard. Estamos na fronteira da América, há os puros índios, pioneiros e uma escumalha branca. Gary Cooper é o sonhador de grandes espaços e compra o que na escrava vê de mansos vales e macios montes. Mas avisa: “Comprei esta mulher para mim… mato o homem que lhe toque.”

Há uma carta que poderia ter sido mandada pela mão de Mr. Trump. Falo de The Kremlin Letter, de John Huston, carta em que a América promete ajudar os soviéticos se os chineses fizerem a bomba atómica. O marketing mandou a Guerra Fria às urtigas e confeccionou este gancho para engatar os espectadores: “Se perder os primeiros cinco minutos, perde um suicídio, duas execuções, uma sedução e a chave da história.”

Cada um deixa fugir a mão para onde quer e, pegando-lhe pelo fim, um dos cartazes de Psycho, o filme de Hitchcock que redefiniu o terror com uma faca e uma cortina de duche, tinha esta linda assinatura: “Não percam o fim, é o único que temos.”

Meter a mão não é metáfora aconselhável para Boogie Nights. Lembrem-se, a personagem de Mark Whalberg é arrastada para a indústria pornográfica por ter méritos desmesurados que o espelho atesta e o cartaz do filme sublinha: “Todos temos a nossa coisa especial.”

E voltei a pensar no dedo de Trump, quando li a tagline de Dr. Goldfoot and the Girl Bombs. Goldfoot é um cientista louco. Fabrica loiras bombásticas para explodirem no colo dos generais da NATO: “Vejam as raparigas com umbigos termonucleares. As mais titilantes bombas que um dedo já foi tentado a disparar.”

O bom filme começa à porta e, às vezes, é melhor nem entrar.

Este artigo foi originalmente publicado no semanário português O Expresso.

manuel.s.phonseca@gmail.com

Manuel S. Fonseca escreve de acordo com a antiga ortografia.

Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *