O general Antônio Hamilton Martins Mourão comanda uma mesa, a da Secretaria de Economia e Finanças do Exército Brasileiro. Diretamente não tem poder de mando sobre tropas e não expressa o pensamento majoritário do comando das Forças Armadas. Nem por isso sua insubordinação pode passar batida.
É gravíssima sua declaração proferida numa palestra para maçons de Brasília, segundo a qual pode haver intervenção militar “se o Judiciário não solucionar o problema político”. O general empareda os poderes da República e reacende fantasmas que julgávamos exorcizados. Pode até ser pura bazófia, mas é preocupante a informação de que na prateleira do Exército há planejamento para a hipótese que alardeou.
Em condições normais de temperatura e pressão, o general Mourão já deveria ter sido exemplarmente punido. Trata-se de um reincidente na quebra da hierarquia e disciplina, princípios sobre os quais se estrutura qualquer exército do planeta. Quando eles são violados, quebra-se a cadeia de comando e instala-se a anarquia nas instituições castrenses.
A pregação ensandecida do militar aproxima a crise dos quartéis e vai na direção de desviar as Forças Armadas da suas funções constitucionais e profissionais. Justamente elas, que têm sido uma das poucas instituições da República a passar ao largo da maior crise da nossa História e têm se comportado de forma impecável, desde a redemocratização do país.
Seria o general uma voz isolada ou estaria verbalizando um sentimento latente na tropa, ainda que minoritário?
A cautela, para não dizer letargia, do comandante do Exército, general Eduardo Villas Boas, em punir seu subordinado alimenta receios quanto à hipótese de haver fogo por detrás desta fumaça.
A cadeia de comando está pisando em ovos. A punição do general Mourão pode desencadear uma onda de solidariedade do oficialato, pois ele é tido como uma liderança forte. Mas não puni-lo estimula a indisciplina e novos episódios podem ocorrer em escala ascendente.
A pior das soluções é considerar o episódio superado, como o fez o comandante do Exército. A não-solução mina a autoridade do general Villas Boas, do ministro da Defesa Raul Jungman e, em última instância, do presidente da República, o chefe supremo das Forças Armadas. Goste-se, ou não, ele é Michel Temer, enquanto for o presidente.
O general Villas Boas granjeou respeito das tropas e da sociedade por seu absoluto respeito aos ditames da Constituição e é reconhecido como a maior liderança militar desde o advento da Nova República. Deve, portanto, usar seu pulso forte para cortar o mal pela raiz.
Convém ao comandante do Exército a releitura da obra de Elio Gaspari sobre o período ditatorial. Nela está narrada como Ernesto Geisel pôs fim à anarquia e enquadrou a tigrada com punição exemplar no episódio da destituição de Ednardo D’Ávila e na demissão sumária de Sílvio Frota, à época ministro do Exército com pretensões presidenciais.
No caso do general Mourão isso se faz mais necessário em virtude de o discurso da intervenção militar encontrar ressonância extramuros dos quartéis. No mínimo, açula os golpistas de plantão que sonham envolver o meio castrense em uma aventura militar.
Parcelas minoritárias da sociedade, porém não desprezíveis, clamam pela volta dos militares, como se isto fosse uma saída para a grave crise ética. A candidatura de Jair Bolsonaro amplifica a pregação das vivandeiras que voltaram a rondar os quartéis.
A corrosão das instituições, a degradação da vida política, a disseminação da corrupção e o alastramento da violência urbana tencionam as Forças Armadas. Cada vez mais elas são chamadas a cumprir missões de segurança para as quais não estão estruturadas e nem são sua função precípua.
Tudo isso é terreno fértil para o apelo ao messianismo militar, como se a solução dos problemas nacionais se desse fora do escopo democrático. Por aí repetiremos experiências desastrosas, pois toda vez que a disputa política foi levada para os quartéis perderam as Forças Armadas, perdeu o Brasil.
Quanto ao general insubordinado, vale a pena relembrar outro episódio narrado por Gaspari. Durante a crise da doença de Costa e Silva, o alto comando das Forças Armadas decidiu pôr fim à junta militar e escolher um novo presidente – Garrastazu Médici. O general Antônio Carlos Murici foi encarregado de comunicar a decisão ao general Jaime Portela, chefe da Casa Militar de Costa e Silva que mandava e desmandava em meio daquela balbúrdia.
Ao receber a notícia, o plenipotenciário da linha dura resmungou: “Quer dizer que eu vou ter de engolir sapo?”. O general Murici respondeu de pronto: “Vai, Portelinha, perfilado e batendo continência”.
Ou o general Hamilton Mourão engole seus sapos ou deve ser mandado incontinente para o escaninho da reserva.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 20/9/2017.