A glamourização da barbárie

Por quase quatro horas Brasília esteve em chamas.

A batalha campal da última quarta-feira foi protagonizada por manifestantes, muitos deles mascarados, durante o protesto organizado por centrais sindicais e movimentos de esquerda contra as reformas que tramitam no Congresso Nacional, pela saída do presidente Michel Temer e por eleições diretas. Oito Ministérios foram depredados, dois incendiados e 49 pessoas feridas.

Diante da violência o presidente da República decidiu convocar o Exército em defesa da ordem pública.

Desde as grandes, heróicas e predominantemente pacíficas passeatas de 2013, o país assiste a esse tipo de barbárie. E com defensores enérgicos.

Como entender a enorme dificuldade de parte da nossa intelectualidade e da maioria dos partidos de esquerda em condenar atos de vandalismo cometidos por mascarados, black blocs e similares?

Membros da comunidade acadêmica fazem esforços teóricos gigantescos para justificar o quebra-quebra promovido por uma minoria violenta e antidemocrática. Alguns chegam a considerar a depredação de bancos na Avenida Paulista e de outras instituições privadas ou públicas como uma ação anticapitalista.

Dentro desta ótica, o vandalismo seria uma resposta à “violência do Estado” cometida contra jovens da periferia. Haveria, assim, um conteúdo revolucionário e contestador em um movimento que, na verdade, padece de conteúdo substantivo.

Não há ineditismo nessa interpretação. A violência e o banditismo já foram romantizados e traduzidos como um produto direto da pobreza.  O que é absurdo.

A esmagadora maioria dos pobres não é composta de bandidos, assim como a maioria da juventude da periferia quer distância da selvageria dos mascarados.

No final dos anos 70, a “sociologia da miséria” conferiu glamour ao Comando Vermelho, como se ele promovesse a justiça social nas favelas cariocas. Criou-se o mito que o CV aprendeu com os grupos da esquerda armada, de quem teria absorvido tanto a tática dos grupos militaristas, como alguma “consciência política”.

À época, foi sucesso de bilheteria o filme Lúcio Flávio, Passageiro da Agonia – um assaltante de banco, que aderiu ao banditismo em resposta “às injustiças sociais” e à corrupção da polícia.

A ideologia do ressentimento, inerente aos segmentos que adotam a barbárie como forma de luta, tampouco leva à transformação da sociedade. Nada constrói. Ao contrário, destrói.

A bandeira do anticapitalismo, por si só, não quer dizer grande coisa. Na história, ela foi argamassa de regimes racistas e genocidas. O nazismo que o diga.

Como caracterizar a agressão de vândalos a lojistas (às vezes pequenos comerciantes), a profissionais de mídia, como os ataques às TVs Globo e Record? E o que há de revolucionário no ato de quebrar lixeira, placas de ruas e outros bens públicos?

Essas violências se assemelham aos métodos dos camisas negras na Itália fascista de Benito Mussolini. E são totalmente incompatíveis com o Estado de Direito Democrático.

A auto definição dos black blocs como anarquistas é uma injustiça para Bakunin, uma das grandes referências de uma ideologia cujo eixo é a pregação da autonomia e do fim do Estado.

Nossos vândalos não têm essa sofisticação intelectual. Não têm objetivos estratégicos claros. Eles promovem apenas a baderna. Uma espécie de banditismo que deveria ser condenado claramente por toda a intelectualidade, movimentos sociais e forças políticas.

Do início do século XX até os dias de hoje, tivemos diversos embates: a revolução russa, o surgimento do fascismo e do nazismo, o stalinismo, duas guerras mundiais, Hiroshima, a guerra fria, a queda do muro de Berlim e o fim da guerra fria. O único valor que sobreviveu a tantos confrontos, e se fortaleceu, foi a democracia.

É ela que vem sendo atacada pelos mascarados de agora, daí seu caráter deletério.

A juventude de 1968 encarou a ditadura sem cobrir o rosto. Aliás, nos anos de chumbo os torturadores usavam capuz para que ninguém soubesse quem eram eles. O mesmo sempre fizeram os carrascos. Desde a idade média.

Como glamorizar movimentos que escondem a face? Na cultura brasileira, isso é prática de traficante, assaltante de banco, membro de milícia paramilitar.

Democrata que se preza vai às ruas de peito aberto e rosto à mostra.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 31/5/2017. 

 

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