O espírito de Hamlet paira sobre a Grã-Bretanha. Sair (Leave) ou permanecer (Remain) na União Européia, eis a questão. Em um mundo no qual os megablocos vão se formando e as cadeias produtivas são cada vez mais uma realidade, a idéia do Brexit – como é chamada a saída britânica do bloco – é um anacronismo que pode levar o velho mundo a girar para trás e condenar a Inglaterra a um papel irrelevante no comércio mundial e no concerto das nações. Literalmente, os britânicos estão divididos, embora as últimas pesquisas apontem uma leve vantagem do Remain no referendo que decidirá sobre a relação do Reino Unido com a União Européia.
A Europa Unida se criou em resposta ao pós segunda-guerra mundial, na busca de se resolver os conflitos pela via pacífica, de integração e livre-comércio. A união continental, cuja origem está na Comunidade Econômica Européia, beneficiou a todos os seus membros, inclusive a própria Inglaterra. Nada menos do que 45% das exportações do Reino Unido vão para países do bloco. Não sem razão, 85% das empresas do Reino Unido são contrárias ao Brexit.
Não há, portanto, razões econômicas para a Grã-Bretanha sair da União Européia, até porque isto provocaria uma queda de 7% no PIB nos próximos 15 anos, segundo relatório do Tesouro Britânico. Nessa hipótese, Londres provavelmente perderia o status de segundo centro financeiro do mundo, com bancos e fundos se deslocando para países com livre acesso ao mercado europeu.
Para a União Européia o Brexit é um mundo de incertezas, inclusive pelo seu efeito dominó, que pode levar outros países a abandonar o bloco. Mas para a Grã-Bretanha é o “risco da catástrofe”, ou até mesmo da sua reconfiguração, com a Escócia e a Irlanda optando por deixar de fazer parte do Reino Unido.
Na verdade, o Brexit funda-se em argumentos ideológicos ou religiosos, que têm cativado parte dos britânicos nestes tempos de crise. O primeiro é o “grito de independência” em relação a Bruxelas, como se o Reino Unido fosse uma colônia dominada e explorada pela União Européia, como se a Grã-Bretanha tivesse seu crescimento atrofiado pelo bloco.
Há por detrás dessa idéia certo saudosismo dos tempos em que o sol nunca se escondia no Império Britânico e a crença ingênua de que o Reino Unido voltará a ser a grande potência do passado a partir do momento em que se liberte dos “grilhões” da União Européia. Não gratuitamente, o partido ultranacionalista mais expressivo chama-se Partido pela Independência do Reino Unido – Ukip. E ele não deve ser subestimado. Nas últimas eleições teve 4 milhões de votos e seu líder, Nigel Farage, é um dos expoentes da campanha do “Leave”.
O segundo argumento é o discurso contra a imigração, a pregação de que os imigrantes roubam os empregos dos ingleses e são os responsáveis por todos os males da Grã-Bretanha. Qualquer semelhança com a campanha presidencial de Donald Trump não é mera coincidência. Como nos EUA, a crise econômica de 2008 fez surgir no Reino Unido uma corrente xenófoba e racista, que pensa ser possível recuperar a grandeza de sua nação com o fechamento de suas fronteiras, com o isolacionismo e com a disseminação do ódio.
Dois episódios recentes podem mudar a balança do dilema shakespeariano. O assassinato da parlamentar trabalhista Jo Cox, árdua defensora da permanência do Reino Unido na União Européia, por um neonazista e simpatizante do Partido Reino Unido Primeiro, de extrema direita, fez acender o sinal amarelo. E o lado mais radical do Brexit revelou sua face mais obscura num pôster do líder do Partido pela Independência do Reino Unido, que mostra uma imensa fila de refugiados e indica que o Reino Unido chegou ao “ponto de ruptura”.
Os ventos sopravam favoráveis ao “Leave”, mas mudaram de direção. Os britânicos parecem ter acordado e tendem majoritariamente a confirmar o “Remain”.
É o que o mundo torce e espera.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 22/6/2016.
Não acordaram do drama, não era Remain or Remain? A questão tornou=se Leave or Leave, ou melhor Brexit ou Brexit?
Volver a direita, só falta Trump vencer as democráticas eleições nos EUA.
Aqui a direita é Temer com apoio da imprensa tucana que não sabe “to be or not to be”.