Quem matou o homem?

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Foi a secretária que matou o homem. Ali, onde o homem moderno morreu, qualquer Tarzan morria. As políticas de género pós-modernas podem andar a gabar-se, agitando a desenfreada certidão de óbito, mas, digo eu, têm fraco killer instinct.

Muito antes de essa subtribo invadir as festas, quartos e camas com o seu sexo sanitário, morango e uma pedra de gelo, já o venerável Freud dissera que sempre que um homem e uma mulher se interpenetram – dedos de cada um dentro de cada qual – são dois homens e duas mulheres que, com sorte, se penetram, qualquer coisa e etcétera.

Sempre foi assim, pareciam dois e era a orgia de quatro, mas agora foi-se embora um; ou seja, com ele foram-se embora dois, confirmaria Freud. Para onde foi esse Gary Cooper, esse John Wayne, mesmo esse Cary Grant que eram o espelho masculino, homens tão homens que até podiam ter uma mulher dentro?

John_Wayne - the searchers

Eu vi, no óbvio homem-mulher que havia em Humphrey Bogart, o moribundo que já era o homem. O cinismo era o verniz mate com que ele disfarçava a própria morte. Camuflava em esgares a vontade de heroísmo em Casablanca, e torturava-o, no estarrecedor In a Lonely Place, a surdíssima gentileza que empurrava o escritor que sonhava ser para a desencontrada busca do sublime e do belo, que nem o amor de Gloria Grahame conseguia redimir.

E ainda não falei do relógio. As horas são emasculativas. Das nove às cinco mata a proeminente reverberação matinal. Das nove às cinco matou o cálido amor das quatro da tarde. Já nem um chairman, muito menos um CEO, tem suas as quatro em ponta da tarde. Vejam: mesmo o selvagem jornalista tem agora o permanente rabo sentado à secretária. Lâmina cruel, o relógio é um instrumento usado por cirurgiões especializados na castração compulsiva. É preciso deitar fora o relógio, a secretária e o escritório, como fazia Jean-Paul Belmondo em Pierrot le fou, arrastado pela mulher-homem que já foi Anna Karina.

O que é o homem hoje? Cinco tipos que jantam e se escondem na meia dúzia de tristes coisas alarves a escorrerem-lhes da boca para fora? Até John Wayne, lembra-nos Clint Eastwood, teria vergonha. Mesmo Wayne sabia que foi um homem que fez o caminho marítimo para a Índia, que era homem o rei que amou Inês, que um homem pintou “O Nascimento de Vénus” ou a “Adoração dos Magos”. Sem vergonha da natureza, do amor e da arte, ecce homo.

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Este artigo foi originalmente publicado no semanário português O Expresso.

manuel.s.phonseca@gmail.com

Manuel S. Fonseca escreve de acordo com a antiga ortografia.

In a Lonely Place no Brasil é No Silêncio da Noite.

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