O mundo da política vive o seu Apocalypse Now sem que se vislumbre como será o Day After, ou quem sobreviverá dos seus escombros. O pedido de prisão do ex-presidente José Sarney, do presidente do Senado, Renan Calheiros, do presidente em exercício do PMDB, Romero Jucá, e do presidente da Câmara com mandato suspenso, Eduardo Cunha, pode não ser ainda o fim do sistema político-partidário do país, mas muito provavelmente é o princípio do seu fim.
Um clima de fim de mundo tomou conta de Brasília. Entende-se a razão de tanto pavor. Em um país secularmente pautado pela impunidade, o pedido de prisão por si só abala os alicerces da velha ordem política, mesmo que ainda não tenha sido apreciado pelo ministro-relator, Teori Zavaski, e pelo pleno do STF.
Natural que a Suprema Corte seja extremamente cautelosa na análise do pedido do procurador-geral e não se deixe pautar pelo clamor da opinião pública. Mas desde já a espada de Dâmocles paira sobre a cabeça do núcleo central do PMDB e o governo do presidente interino Michel Temer pode ser atingido pelo exocet disparado por Rodrigo Janot.
Não apenas o PMDB, mas também todo um sistema que foi colocado em xeque pela operação Lava-Jato. A cada momento novos elementos de imprevisibilidade são adicionados a um quadro já bastante instável. Quando se pensa que já se viu de tudo, novos fatos vêm à luz do dia. Agora foi o pedido de prisão de figuras luminares do PMDB e da República. E nos próximos dias, o que virá?
Não sabemos. Pode ser o dilúvio: as delações premiadas de Marcelo Odebrecht e de Leo Pinheiro, com todos os seus desdobramentos. Se isto acontecer, e se suas revelações forem comprovadas, o sistema político brasileiro tal qual é hoje não sobreviverá. A depender da extensão e profundidade de tais delações, a razia afetará a quase todos os partidos, ainda que de forma diferenciada. Claro que o PT e o PMDB serão os mais afetados, pois estiveram no poder nos últimos 13 anos. Mas o PSDB que se cuide.
É como se o mundo da política vivesse no purgatório. A velha forma de se fazer política está moribunda, mas ainda não deu lugar a uma nova prática e procedimentos republicanos. Há um gigantesco passivo para se prestar conta perante a sociedade e também perante a Justiça.
Mas o que é apocalipse para uns é renascimento para outros. Aos poucos, e a duras penas, vai surgindo um novo Brasil, e a Lava-Jato tem muito a ver com isso. A ação do Ministério Público, da Polícia Federal e da Justiça vem desconstruindo a cultura da impunidade, que levava empresários, políticos e poderosos a se apossar do dinheiro público porque se consideram inatingíveis pela lei. Quem imaginaria um dia que um presidente do Senado e um ex-presidente da República se veriam diante da possibilidade de serem presos?
Mas a mudança não será completa se não for adotado também outro padrão de governança pelas grandes empresas, particularmente na sua relação com o Estado, historicamente marcada pela intermediação de interesses, pelo tráfico de influência, pela confusão entre o público e o privado. A Lava-Jato está aí para provar o quanto é nociva a prática de grupos econômicos refratários à livre concorrência, que se infiltram no aparato estatal para dele se apropriar e manter seus privilégios.
A desprivatização do Estado só será plena se dele forem desalojados tanto o clientelismo e o fisiologismo, tão próprios da forma arcaica de se fazer política. E também o capitalismo parasitário, aquele que só sobrevive à custa da reserva de mercado, da prática de cartéis, de incentivos e subsídios.
O país não está condenado ao fim apocalíptico. É possível livrar-se dessa herança perversa e construir novas relações republicanas. A Lava-Jato está aí para isso.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 8/6/2016.
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