A caserna e a crise

Fosse em outras eras, a recente entrevista do comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, teria sido noticiada de forma bombástica pelo noticiário televisivo. Certamente os jornais estampariam manchetes com letras garrafais, do tipo “Comandante do Exército repele incursão de vivandeiras”.

Felizmente os tempos são outros. O país não fica mais em suspense quando um chefe militar se pronuncia, jornalistas não consomem mais o seu tempo para interpretar o almanaque do exército. O termo vivandeiras entrou em desuso, saiu de moda.

A grande notícia da entrevista do general é que não há notícia.

A maior crise da nossa história passa ao largo dos quartéis, a despeito de, nas palavras de Villas Bôas, uns “tresloucados, esses malucos” que “vem aqui e perguntam: ‘Até quando as Forças Armadas vão deixar o país afundando. Cadê a responsabilidade das Forças Armadas?”

Como ontem, ainda há quem ronde os quarteis. Diferentemente do passado, as vivandeiras contemporâneas pregam no deserto e obtém dos chefes militares negativas como a do comandante do Exército: “eu respondo com o artigo 142 da Constituição. Está tudo ali. Ponto.”

Não é pouco para um país de histórico de intervenção militar na vida nacional.

Por quase um século, de 1886 – quando teve início a chamada questão militar com uma série de atritos entre o exército e o governo imperial – até a transição democrática de 1985, as Forças Armadas foram parte da crise (quando não a própria crise), quer por vontade própria, quer por serem arrastadas para elas.

Os episódios se sucederam aos borbotões: advento da República, eleição de Hermes da Fonseca, 1922, a Coluna Prestes, Revolução de 30, Levante de 1935, derrubada de Getúlio Vargas no pós-guerra, candidaturas de Juarez Távora, Eduardo Gomes, Marechal Lott, novembrada 1955, Aragarças, Jacareacanga e, finalmente, a mais traumática das intervenções, em 1964.

As Forças Armadas amadureceram, aprenderam com sua própria experiência.

Tomaram um caminho sem volta em 1985, quando recuaram organizadamente para os quartéis e passaram a se pautar exclusivamente pelo exercício de suas funções profissionais e de suas obrigações constitucionais definidas no famoso artigo 142, citado pelo general: “As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.

Por isso elas passam ao largo da crise, se reencontraram com o povo e são hoje as instituições com maior credibilidade entre os brasileiros. Mais importante: não parecem ter sido contaminadas pelo cupim da corrupção, assim como não foram outras instituições permanentes de Estado, a exemplo do Itamaraty, universidades públicas, Polícia Federal, Banco Central e outras blindadas do loteamento político, da ação nefasta do patrimonialismo.

A tranquilidade não se dá apenas nas tropas. A reserva, normalmente, mais afoita no envolvimento com a política, vive um momento de calmaria. Também entrou em desuso o termo “general de pijama”, designação de militares sem tropas, eternamente envolvidos em conspiratas armadas.

Apesar da disciplina e observância de suas obrigações constitucionais, a relação das Forças Armadas com os governos petistas teve seus momentos de desconfianças recíprocas, principalmente porque setores do lulopetismo e do governo nunca engoliram sua derrota política e militar durante o regime ditatorial e sempre sonharam com um “acerto de contas” com as FFAA por meio de uma reinterpretação da história.

Felizmente, hoje estamos em outro patamar. Nas palavras do comandante do Exército, “o presidente Michel Temer demonstra um respeito às instituições de Estado que os governos anteriores não tinham”.

Nesse campo, o presidente parece ter acertado na escolha de Raul Jungmann para ministro da Defesa. É o ministro quem se pronuncia até mesmo em relação a aspirações legítimas da tropa, como na questão previdenciária dos militares- um vespeiro que a prudência recomenda não se mexer.

Até aí há uma cadeia de comando. Não há a balbúrdia, não há anarquia militar, não há indisciplina.

Tresloucados haverá sempre. Não faltarão malucos rondando a caserna. Mas as palavras do general são tranquilizadoras: “Aprendemos a lição (referindo-se aos 21 anos de ditadura). Estamos escaldados!”

Feliz Natal a todos!

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 21/12/2016. 

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