A Casa Verde

2016-03 - Fê dia 20 - Corte - Foto Lili - 720

Volta e meia penso que, sem a Casa Verde, Fernanda não teria nascido.

A vida é assim uma espécie de colar feito de coincidências, acasos, às vezes descasos, encontros, desencontros.

Se minha mãe tivesse conseguido conquistar um dos sujeitos endinheirados que admirava, não teria se casado com meu pai pobretão, e eu não existiria.

Se os índios não tivessem vendido a ilha de Manhattan para os holandeses em 1626 por 60 guilders, talvez não houvesse Wall Street, nem as Torres Gêmeas.

Se o meu irmão Arnaldo não tivesse ficado conhecendo o Seu Cezar num prédio onde ambos tinham escritórios na Quintino Bocaiúva, meu irmão Geraldo não teria conhecido a Célia Cézar.

Mas eles se conheceram, sim, e então, mesmo antes de me mudar para São Paulo, já fiquei conhecendo a Casa Verde. Célia morava com os pais e as quatro irmãs mais novas na Rua do Pilar, perto da Praça Cruz da Esperança, onde era o ponto final do trólebus Casa Verde.

Quando cheguei a São Paulo, no comecinho de 1968, com 18 aninhos recém-completados, grandes sonhos e nenhum emprego ou perspectiva, as poucas pessoas que conhecia eram as irmãs da minha então cunhada Célia. Tinha tido uma paixão pela Derci (voltaria a ter outras vezes), que, ainda em 1965, tinha me levado pela primeira vez ao Cine Metrópole, na São Luís, para vermos A Hard Day’s Night, mas acabei me aproximando mais da Cleonice.

Cleo tinha uma boa turma de amigos, e acabei sendo aceito como mais um da turma. Ia lá praticamente todos os fins de semana.

Levei dois anos para finalmente começar a namorar a menina mais linda e fascinante de todas. No final de 1973, Suely e eu nos casamos de manhã no Cartório da Casa Verde e de tarde na Igreja ali ao lado, no centrinho comercial do bairro.

1973, dezembro - corte

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No mesmo ano em que Fernanda nasceu, 1975, Adoniran Barbosa lançou seu segundo disco. (É um completo absurdo, mas só em 1974 Adoniram pôde gravar o primeiro LP de sua carreira.) O disco abria com um samba gostosíssimo, letra e música dele, “No Morro da Casa Verde”. Fernanda cresceria ouvindo de tudo (os pais sempre tiveram bom gosto musical), mas, nas festas na casa da mãe, nunca faltou “No Morro da Casa Verde” – não importava que a casa fosse em Pinheiros.

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O mais puro acaso fez com que eu passasse muitos, muitos anos trabalhando a poucas quadras da Avenida Casa Verde – a avenida pela qual passei centenas de vezes quando namorava Suely e depois, décadas mais tarde, para visitá-la na casa em que passou a morar, na Rua Maria Curupaiti.

Foi puro acaso mesmo. Na época, 1976, Fernanda bebezinho, me pareceu um pesadelo o fato de o Jornal da Tarde ter que se mudar do charmosíssimo Centro de São Paulo para o prédio novo do Estadão no Bairro do Limão, entre a Celestino Bourroul e a Engenheiro Caetano Álvares.

Mas de Pinheiros me mudei para Perdizes, e Perdizes fica muito pertinho da Engenheiro Caetano Álvares. Um pulinho. É atravessar o Viaduto Antártica, trechinho mínimo da Marginal, e pronto. Um privilégio imenso, trabalhar bem perto de onde se mora, numa megalópole do tamanho desta aqui.

Acasos, coincidências, as voltas que a vida dá. A Antonio Cavazzam, onde Suely morava com os pais quando nós nos casamos, fica entre a Avenida Casa Verde e a Engenheiro Caetano Álvares, duas vias que frequentei demais. (Na foto abaixo, estamos na varanda da casa da Rua Antonio Cavazzam.)

Sempre que há um encontro, lembramos histórias da turma da Casa Verde. Alguns meses atrás Mary e eu bebemos muitas com a Cleo, a Cidinha e a outra Sueli, então Cezar, hoje Zaraya. Ano passado, Mary, Fê, Dona Diva, Marina e eu passamos uma deliciosa tarde na casa da praia da Célia, onde estavam todas as cinco irmãs e os pais, Dona Elza e Seu Cezar, mais dois Cezars da novíssima geração, inclusive o Teodoro do Beto. A Casa Verde está sempre presente nas conversas.

1978-11 - Na Antonio Cavazzam - 0040006 - Corte

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Mas qual seria o sentido deste textinho?

“The moral of this story, the moral of this song”, diz Bob Dylan, bem fanho, em “The Ballad of Frankie Lee and Judas Priest”, do disco John Wesley Hardin, de 1967.

Não tem muito sentido, não, este textinho. Não tem uma moral da história. Ele foi saindo da cabeça, assim, meio à toa, meio porque amo demais minha filha e ela é o maior orgulho da minha vida.

É só um suelto, como se dizia no jornalismo de muito antigamente.

2/5/2016, um dia para se lembrar. 

A primeira foto, no alto, é de Eliana Lourenço Rodrigues. A do meio, de Suely chegando à igreja, não consigo lembrar quem fez. A terceira foto foi feita pela Suely. 

Um adendo em 2/6/2016:

Há uma mentirinha no texto acima. Ele foi escrito no dia em que minha filha contou que tinha saído a grade de promoção e ela deveria muito provavelmente ser promovida para titular de uma das varas cíveis do Fórum de Santana, que fica na Avenida Engenheiro Caetano Álvares, perto do prédio do Estadão em que trabalhei décadas, pertinho da Avenida Casa Verde. 

Ao contrário do que escrevi, o textinho tinha sentido, sim, mas ainda não dava para falar. 

Agora não é mais segredo. Saiu no Diário Oficial a promoção. Maravilha de maraFilha. Como disse com precisão o Alexandre Bronzatto: “Sorte, muita sorte, da Primeira Vara Cível de Santana e de quem tiver seus processos por lá”.

11 Comentários para “A Casa Verde”

  1. Acho que a moral dessa história são as pessoas lindas e preciosas que temos hoje: Fernanda, Beto, André, Marina e Teodoro. Quanta gente boa, né?

  2. A Fê ter amado me deixa feliz que nem pinto no lixo.
    As pessoas lindas, né, Cleo? A filhinha linda do Marcos, o neto da Terezinha, a neta da Cidinha que só conheço de foto mas é uma graça…

  3. Adorei Sergio…adorei reencontra-lo, conhecer a Mary, rever e Cidinha e a Cleo então …nem tenho palavras que possam traduzir tudo que significou aquele encontro…mas quando te conheci(em Curitiba) eu ainda não era Zaraya…rsrsrsrsrs….

  4. Adorei “conhecer” pessoas e lugares através desse texto delicioso! Abração, querido Servaz.

  5. Preciso dizer que amei o texto? As lindas fotos? E saber que No Morro da Casa Verde fez parte da trilha sonora de tantas pessoas absolutamente simpáticas? E lindas? MH

  6. a moral da história é que toda história pertence à grande História. as histórias nos fazem e nós fazemos a História.

  7. Relembrar é viver, e ao ler o teu “suelto”vivi novamente aquele tempo, e relembrei das pessoas, gostei muito! Bjs

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