Talvez por uma visão distorcida da lealdade ideológica, a militância petista vinha resistindo, obsessivamente, a encarar os fatos. De uma couraça impermeável, preferia acreditar nas palavras de seus dirigentes, na versão fantasiosa de que a Operação Lava-Jato era uma trama golpista impetrada por uma direita ávida em destruir as “conquistas sociais” promovidas pelos governos petistas.
Através de um mecanismo mental difícil de entender, justificava o injustificável. Fechava os olhos diante da realidade para dar sobrevida à sua utopia. Nesse contorcionismo, Delúbio Soares, João Vacari e José Dirceu foram saudados como heróis, como cumpridores de uma missão partidária.
A argamassa dessa (im)postura era a de que tudo fora feito pelo bem de uma causa nobre e generosa, como se isso representasse uma licença para roubar. Em nome do sujeito coletivo, os quadros petistas estavam previamente autorizados a praticar toda sorte de barbaridade.
Registre-se: quem, ao longo do tempo, ousou discordar desse padrão ético simplesmente foi esvurmado, pois, diziam, “não há razão contra o partido”.
Assim a base do PT aceitou pacificamente a tese fantasiosa da cúpula e dos governos petistas, segundo a qual a culpa da roubalheira, do assalto aos cofres públicos, é do modelo político, terceirizando as falcatruas praticadas. A base petista não apenas legitimou as ações de sua cúpula. Foi além. Utilizou esse truque na disputa presidencial e nas redes sociais, agora, com o objetivo de desqualificar a Polícia Federal, o juiz Sérgio Moro e o Ministério Público.
Parodiando o grande Cartola: a queda de José Dirceu, ou melhor, sua segunda prisão, simplesmente triturou, reduziu a pó as ilusões de uma militância que ajudou a cavar o próprio abismo, no qual o PT está em queda livre.
Mais precisamente, deixou o rei nu. Expôs as vísceras do PT e o odor pútrido que delas exala. Muito provavelmente, milhares e milhares de militantes petistas caíram na catatonia, em crise ideológica e de identidade ao sentir que ruiu por terra a cantilena de que tudo foi feito em nome da causa.
Roubou-se sim para o partido e para os aliados. Mas também para os bolsos de muitos, para o enriquecimento pessoal. Certamente José Dirceu não foi o único dirigente petista a se apropriar de recursos públicos para usufruir das delícias da vida burguesa. É o caso mais emblemático, mas não é exceção.
Levará algum tempo para os que escolheram a cegueira absorvam a perda das ilusões, vislumbrem alguma luz e se incorporem ao novo clima que vai contagiando o país de ponta a ponta. Mas esses também virão. Sem medo.
Sim, a operação Lava-Jato está fazendo renascer as esperanças. Está pintando no horizonte um Estado moderno e mais republicano, sem espaço para o patrimonialismo e a impunidade.
Apesar dos pesares, há hoje um astral mais para cima do que o de 15 de março, quando havia uma sombra de incerteza sobre o desempenho das nossas instituições.
As manifestações de 16 de agosto devem ocorrer em um clima de mais confiança, de otimismo, quanto à possibilidade de o Brasil virar a triste página escrita pelo Partido dos Trabalhadores nos últimos 12 anos.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 5/8/2015.
Aos movimentos sociais, cabe ter a firmeza de fazer o enfrentamento em duas trincheiras. De um lado, combater o golpismo sem tréguas, sabendo que – se prosperar – dará expressão a uma ofensiva reacionária de longo alcance. De outro, combater as políticas antipopulares deste governo, que se mostra incapaz de construir uma agenda que seja defensável.
Movimentos golpistas marcaram um ato para 16 de agosto. Importantes movimentos populares, sindicais e estudantis já começaram a se articular para construir uma grande mobilização em 20 de agosto.
Neste cenário de polarização e incerteza, o que é seguro é que a política transbordará cada vez mais para as ruas.
Entre as polêmicas que cercam a Operação Lava Jato figuram com destaque o menor interesse da Polícia Federal, de parte do Judiciário e da velha mídia, em investigar casos que atingem tucanos. Causa espécie que as investigações praticamente tenham estabelecido uma “data de corte” – o ano de 2003 –, deixando de lado fatos ocorridos dentro e fora da Petrobras antes disto.
Também está mal explicada a história de que o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa tenha sido indicado pelo ex-deputado José Janene do PP para pagar propina ao partido, se ele fosse completamente neófito nesta área.
Os diretores e gerentes corruptos da Petrobras eram funcionários de carreira, que ocuparam postos destacados antes de 2003. Há claras evidências, inclusive no próprio noticiário da época, de que casos de corrupção na Petrobras não foram inaugurados em 2003. O caso de Barusco é prova concreta. Ignorar o que se passou em 2002, 2001, 2000, em uma investigação ampla compromete a própria imagem do Ministério Público, do Poder Judiciário e da Polícia Federal.