Depois de passada a emoção do momento, faço novas considerações sobre as manifestações de Fora Dilma, Fora PT, no domingo, 16 de agosto.
Os jornais se apegam aos números, como se os números conseguissem exprimir o sentimento do povo nas ruas. O Globo contabilizou 879 mil pessoas em todo o país e botou o número na manchete principal. O Estado diz que as PMs estimaram 790 mil pessoas. Para a Folha, as PMs falaram em 612 mil pessoas.
Os três jornais concordam em um ponto, a respeito dos números: teve menos gente nas ruas do que no dia 15 de março, porém mais do que no dia 12 de abril.
Só na Avenida Paulista, o Datafolha contou, contadinhas, uma por uma, 210 mil pessoas em 15 de março, 100 mil em 12 de abril e 135 mil em 16 de agosto.
Como bem dizia na GloboNews no começo da tarde a jornalista Cristiana Lobo, como Mary repetiu para mim algumas vezes, e eu registrei no meu texto logo após voltar da Paulista, não é tanto o número que importa.
Eliane Cantanhêde resume magnificamente essa idéia em artigo no Estadão desta segunda-feira, 17: “Pouco importa se houve menos gente que no histórico março, o fundamental é que quem foi às ruas ontem sabia exatamente o que queria dizer – e para quem.”
E depois:
“De nada adianta o governo se dizer feliz da vida porque as manifestações de ontem tiveram menos gente que as de março. Tiveram mesmo, e daí? Elas ocorreram em todas as regiões, desde as mais ricas até as menores e mais pobres, deram nitidamente os seus recados e têm uma força política enorme.
“Política é dialética, não cartesiana, e o valor e o peso de manifestações não podem ser medidos só pelo número de manifestante, porque havia tantos a mais ou tantos a menos. A de domingo, a terceira num único ano, foi muito expressiva e já deixa engatilhada a próxima. A sociedade está mobilizada e é ela que dá a Dilma o troféu de presidente mais mal avaliada da história pós-redemocratização.”
Dora Kramer foi brilhante, como sempre: “Numericamente, as manifestações de ontem foram menores que as primeiras, de março, e um pouco maiores que a penúltima, de abril. A dimensão pode servir ao Planalto como argumento. Frágil, no entanto. A quantidade de gente que saiu ou ficou em casa não determina o grau de descontentamento das pessoas.”
E depois:
“É a voz do dono (do voto) dizendo que rejeita a governante que praticamente acabou de reeleger e também que cansou da falação enganosa de Lula e que apoia a firmeza do desenrolar da Operação Lava Jato. Escolhe homenagear, outra vez, o magistrado, como antes havia posto na mesma posição o então ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa.
“Em matéria de herói, fica melhor o Brasil com uma figura que simboliza a Justiça do que com o mau-caratismo malandro de Macunaíma.”
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Houve manifestações em mais de 200 cidades, em todos os Estados do país. Isso me parece muito mais importante do que tentar chegar ao número total de pessoas que saíram às ruas para gritar fora Dilma, fora PT, Lula ladrão.
Em Garanhuns (PE), um grupo saiu às ruas com uma faixa dizendo: “O povo de Garanhuns e região pede desculpas ao Brasil pelo filho corrupto. Justiça: Lula na cadeia.”
Mary, sempre alerta, feeling político apuradíssimo, fez no Facebook um álbum com fotos de 38 cidades do interior dos Estados, não capitais.
Um morador de Dom Pedrito, no extremo Sul do Rio Grande do Sul, junto da fronteira com o Uruguai, pôs junto do álbum da Mary no Facebook o seguinte comentário: “Parabéns, amigos. Aqui em Dom Pedrito-RS, fomos às ruas, também, em pequeno número, é verdade, mas marcamos as nossas posições.” Ronaldo Ferreira dos Santos, chama-se esse brasileiro honrado.
De Antonio Miranda, morador de Marataízes, no Espírito Santo, Mary recebeu fotos e o seguinte texto, que faço questão de reproduzir na íntegra:
“Nossa manifestação foi pequena, mas esperamos seu registro. Passo-lhe o release do 16 de agosto aqui, no litoral sul do ES:
A manifestação deste domingo em Marataízes – ES foi um sucesso!
Iniciando às 9:00 horas na Praia da Barra, com a execução do Hino Nacional, a carreata percorreu aproximadamente sete quilômetros, até a dispersão, por volta das 12:00 horas, no pátio da estação rodoviária.
No total, foram 32 veículos – em alguns momentos, a adesão voluntária entre a Barra e a Praia Central dobrou esse número – e 120 manifestantes registrados. Foi o primeiro domingo de sol forte nas últimas quatro semanas, o que levou muito gente às praias da cidade. Por onde passava, a caravana recebeu carinho e manifestações de apoio de centenas de populares, comerciantes, trabalhadores no comércio e banhistas, que sinalizavam com gestos e palavras de incentivo, além de buzinaços de quem seguia em sentido contrário à carreata.
“Duas curiosidades: 1) a câmera do técnico de som que puxava a carreata na peruinha pifou, o que dificultou a obtenção de imagens; 2) o pen-drive com a música ‘A Rua é a Maior Arquibancada do Brasil’, do Rappa, não funcionou e a manifestação seguiu ao som de ‘Apesar de Você’, do Chico Buarque, notório PTista, uma das canções-símbolo da resistência à ditadura militar, nos anos 1970. Bem feito! É o feitiço virando contra o feiticeiro.
“A coordenação agradece a todos os participantes e colaboradores – especialmente a Zuzu Fontes, Marcos Vivácqua e esposa, Adriana Perin, Adriano Maratimba e esposa, Adilson Dilen, Peterson, Polícia Militar do ES, Eraldo Fonseca e Carol Miranda – e conclama a todos: Não vamos nos dispersar! Na próxima, vamos triplicar a meta!”
Quando em Marataízes, cidade de 34 mil habitantes, participa de uma manifestação política de rua, a coisa é muito séria.
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Um detalhinho interessante, que os jornais citaram en passant: o comércio da Paulista e das ruas próximas funcionou normalmente, durante toda a tarde. Os comerciantes perceberam que não haveria bagunça, desordem, quebradeira – era tudo gente de paz, aqueles 135 mil, segundo o Datafolha, ou 350 mil, segundo a Polícia Militar.
A 2001 Vídeo, por exemplo, na quadra entre a Brigadeiro e a Joaquim Eugênio de Lima, estava gloriosamente com suas portas abertas. Até aproveitar para comprar alguns DVDs no feirão de usados, e alugar uns dois lançamentos para ver.
Ainda sobre o número da multidão: o mais engraçado nesses números do Datafolha e mesmo da PM é que, quando há a Parada Gay, ou festa de réveillon, as fotos mostram a Paulista tomada exatamente como estava ontem – só que os jornais falam em 1 milhão, até 2 milhões de pessoas. Será que cada gay, ou festejador de ano novo, conta por 2 ou 3, e cada anti-PT conta como meio?
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Um assunto extremamente difícil, complexo, espinhoso: as Organizações Globo e a cobertura das manifestações.
Ontem, antes de sair para a Paulista postei no Facebook o seguinte:
“As manifestações são manchetes do Estadão e da Folha deste domingo – os jornais, não os portais. No Globo, minúscula chamadinha. Nos jornais da Rede Globo, ontem (sábado, 15), parece que não houve menção a manifestações. Não estou acusando ninguém, nem insinuando nada. Só fatos. Jornalismo comparado.”
No seu blog, dentro do portal da revista Veja, o jornalista Felipe Moura Brasil postou no início da madrugada desta segunda-feira um texto com o título de “Cobertura frouxa da Globo no 16 de agosto fez até presidente da CUT parecer tolerante”.
Eis parte do texto de Felipe Moura Brasil:
“A GloboNews passou o dia saboreando o churrasquinho sem Lula da CUT, como mostrei aqui. Depois, veio o Fantástico:
(E aí ele reproduz um tuíte dele mesmo, que diz: “Fantástico deixou presidente da CUT falar um tempão de ‘intolerância’, sem mostrar que ele convocou a militância às armas. Não é jornalismo.”)
E continua:
“É verdade que a matéria sobre os atos anti-Dilma teve quase 13 minutos (para mostrar o Brasil inteiro) contra 3 minutos do churrasco da CUT, sendo, portanto, pouco mais de 4 vezes maior. Mas os atos que reuniram 879.000 pessoas – 11 Maracanãs lotados pelas ruas – foram 1.465 vezes maior que o churrasco de 600 pessoas da CUT, segundo os números da Polícia Militar. Sob o velho pretexto de afetar equilíbrio e isenção, a Globo – que recebeu R$ 6,2 bilhões dos governos Lula e Dilma em publicidade federal – acabou favorecendo o PT.”
Eu mesmo já havia, no próprio domingo, escrito no Facebook: “As manifestações Fora PT, Fora Dilma, em todo o país, tiveram bom tempo no Fantástico. Digamos, chutando, uns 6 minutos. A manifestação Fica PT, Fica Dilma, que reuniu 1.500 pessoas, segundo os organizadores, teve uns 4 minutos. Digamos que não foi propriamente assim muito bem balanceado, pois não?”
Confesso aqui que levei um susto ao ver a foto que O Globo – jornal que admiro, que tenho como o melhor do país – escolheu para dar da manifestação na Avenida Paulista. É uma grande foto, em seis colunas, que ocupa todo alto da página 3 do jornal, até pouco abaixo da dobra.
A foto pega um trecho da avenida num determinado horário em que a multidão não era compacta. A foto parece ter sido cuidadosamente escolhida para dizer que não havia tanta gente assim na Paulista.
A manchete do jornal é “Atos reúnem 879 mil, mas governo vê quadro estável”
No meio da tarde desta segunda-feira, 17, um título na home page de O Globo na internet dizia: “Mesmo com atos, Dilma ganha fôlego, dizem analistas”. Clica-se no título e surge uma entrevista pergunta-e-resposta com um cientista político da FGV.
Os “analistas” são um só.
Uma pena.
17/8/2015
Pareceu estar tudo à beira da explosão, mas nunca explodiu porque já vinha explodindo, e quem sofria com as explosões ou estava morto, ou era pobre, subdesenvolvido, velho, atrasado, ignorante, preguiçoso, inútil, louco – em qualquer caso, descartável. Era a grande maioria, mas uma insidiosa ilusão de óptica tornou-a invisível. Foi tão grande o medo da esperança que a esperança acabou por ter medo de si própria e entregou-se aos adeptos da reação.
Apesar de ser geralmente aceite que o bem comum não podia deixar de assentar no luxuoso bem estar de poucos e no miserável mal-estar das grandes maiorias, havia quem não estivesse de acordo com tal normalidade e se rebelasse. Tal não foi possível, porque os rebeldes não viam que, sendo produto da sociedade contra a qual lutavam, teriam de começar por se rebelar contra si próprios, transformando-se eles próprios antes de quererem transformar a sociedade.
A sua cegueira fazia-os dividirem-se a respeito do que os deveria unir e uniram-se a respeito do que os devia dividir.
Assim, as atrocidades puderam ser atribuídas às vítimas, os agressores foram condecorados pela sua coragem na luta contra as agressões, os ladrões foram juízes, os grandes delatores políticos puderam ter uma qualidade moral minúscula quando comparada com a enormidade das conseqüências das suas delações.
Sérgio, não se deixe enganar, não mande os números se danar. A quantidade de coxinhas nas ruas me impressiona, afeta o PT e desarticula o governo. Nunca na história deste pais a direita esteve tão coesa e ciosa de seu papel.
Com certeza vão haver mudanças, não sabemos se em curto ou longo prazo, antes de 2018, só impeachment, renúncia ou golpe.
A foto postada ilustra bem a rebelião dos coxinhas, prósperos classes média, gordinhos, bem alimentados, com camisetas de grife e que passaram a representar uma efêmera maioria.
Sim os números importam, não se dispersem pois o PT se lança rumo ao sumidouro da história, onde repousará no cemitério dos meus sonhos perdidos.
A desmobilização nas redes sociais.
Por Maíra Bittencourt em 18/08/2015
comentários Segundo a Polícia Militar, em março, o número de manifestantes que participaram dos protestos em todo Brasil foi de 1,7 milhão. Agora, em agosto, foram apenas 612 mil. O número da última manifestação representa 36% da população da primeira. Mas qual a causa dessa queda tão brusca? A hipótese que levanto aqui é que, com o drástico enfraquecimento das discussões e articulações nas redes sociais (espaço que era por excelência a grande ágora de estímulo), as ruas também se esvaziaram. Abaixo perpasso o trajeto desse raciocínio.
Para começar façamos um breve resgate histórico do início desse processo. Desde o ano de 2013 inflamou-se no Brasil um estranho processo de mobilização social. Multidões tomaram as ruas, por diversas vezes, clamando por mudanças nas estruturas econômicas, políticas e sociais. Neste ano de 2015, as manifestações ganharam um caráter mais partidário e de oposição direta ao governo federal. Porém, o grande discurso sempre foi de que esses protestos partiriam do povo e não possuiriam vínculo partidário. As pessoas se sentiam chamadas a participar porque acreditavam que estavam integrando um movimento sem bandeiras que clamava por um Brasil melhor. Esse movimento teria sua sede apenas nas redes sociais.
Pouco a pouco esse conceito foi se esvaziando nas mentes e nos discursos sociais. Em março os partidos de oposição declararam apoio às manifestações. Mas seus líderes não participaram dos eventos. Já agora, em agosto, os partidos se utilizaram inclusive de seus espaço na televisão e no rádio para convocar a população para os protestos. Seus principais líderes também estiveram presentes nos atos públicos. Na contramão dessa institucionalização dos protestos o que se percebeu foi que, quanto mais os protestos ganhavam legitimação dos velhos conhecidos (como os partidos de oposição e as mídias tradicionais) menos intensas ficavam as discussões do povo sobre a temática e o engajamento da população nas redes sociais.
Essas hipóteses estão baseadas nos números de interação observados nas páginas do Facebook dos principais movimentos que encabeçam as manifestações: “Movimento Endireita Brasil”, “Movimento Vem Pra Rua Brasil”, “Movimento Brasil Livre” e “Revoltados Online”, todos com presença expressiva em ambos protestos [neste último protesto também esteve fortemente presente o Movimento Liberal Acorda Brasil. Mas não foi possível a realização do comparativo desse pelo fato de ter surgido, enquanto página do Facebook, após as manifestações de março].
Os gráficos a seguir mostram um comparativo entre os sete dias anteriores às manifestações de março e agosto [períodos de 08/03/2015 a 15/03/2015 e 09/08/2015 a 16/08/2015], respectivamente. O domingo de manifestação também está contemplado em cada um deles. Os aspectos observados foram o engajamento quanto a “comentários”, “curtidas” e “compartilhamento” de conteúdo. O Facebook foi escolhido como espaço de observação por ter sido apontado pela própria população de manifestantes como o grande espaço de convocatórias para os eventos [segundo pesquisa intitulada “Mobilização Social e Líderes Midiáticos” realizada pela própria autora com 601 pessoas nas cinco regiões brasileiras].
Gráficos mostram participação de grupos
Gráfico 1. Comparativo de engajamento na página Movimento Endireita Brasil
Fonte: Pesquisa realizada através da ferramenta de monitoramento de páginas FanPageKarma.
Gráfico 2. Comparativo de engajamento na página Movimento Vem Pra Rua Brasil
Fonte: Pesquisa realizada através da ferramenta de monitoramento de páginas FanPageKarma.
Gráfico 3. Comparativo de engajamento na página Movimento Brasil Livre
Fonte: Pesquisa realizada através da ferramenta de monitoramento de páginas FanPageKarma.
Gráfico 4. Comparativo de engajamento na página Revoltados Online
Fonte: Pesquisa realizada através da ferramenta de monitoramento de páginas FanPageKarma.
População já percebeu discurso enganador
Na página “Endireita Brasil”, apresentada no gráfico 1, a queda de participação entre março e agosto foi de 95%; no gráfico 2, do “Movimento Vem Pra Rua” foi de 5%; no gráfico 3, do “Movimento Brasil Livre” foi de 47%; e no gráfico 4, do Revoltados Online, a queda foi de 71%.
Não há um percentual único nas reduções observadas nas quatro páginas. Alguns foram bastante expressivo, outros nem tanto. Mas o que se pode afirmar é que em todos os casos ocorreram reduções. É a esse esvaziamento das discussões nas redes sociais que credito a redução da população nas ruas.
Os protestos, que aparentemente tinham em sua matriz o movimento livre e popular via internet, passaram a ser articulados da mesma forma que outrora diversos outros já foram. Esse retorno ao mesmo modelo e o enfraquecimento do que era o grande trunfo da atualidade fez com que milhares desistissem do processo. Enquanto isso, os líderes dos movimentos e partidos, seguem tentando gritar pelas ruas que as manifestações são apartidárias e sem bandeiras. Mas parece que a população já percebeu que esse discurso não bate com o divulgado via propagandas partidárias.
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Maíra Bittencourt é jornalista, professora de Jornalismo, doutoranda em Ciências da Comunicação e mestre em Ciências da Comunicação