A prática não começou na Presidência da República. Desde sempre, ainda quando o voo de alcance máximo eram as prefeituras, o PT tratou o Estado como uma ação entre amigos. No Planalto, a coisa descambou: ampliou-se a rede de companheiros, multiplicaram-se os esquemas de financiamento, pulou-se de milhares para milhões.
Sem o charme de outrora e vendo tudo desmoronar, o partido agarra-se ao desgastado chavão do perseguido. Difícil que dê certo diante do poço sem fundo de lama em que se meteu.
Nem Lula garante o êxito da estratégia.
Ainda que encante o público interno com a sua fala sempre sedutora, Lula não consegue mais transformar água em vinho.
Transfere para os adversários os pecados cometidos pelos governos petistas e repete a ladainha de atribuir denúncias que enojam o país e escancaram os métodos espúrios do partido a uma tentativa da mídia de criminalizar o PT. Na comemoração dos 35 anos da legenda, chegou ao desplante de indicar um “ritual” da mídia contra o partido: na quinta-feira, boato; na sexta, denúncia; no domingo, massacre.
Fala como se a delação premiada de ex-diretores da Petrobras indicados por seu governo, dando conta de que o PT abocanhou nada menos de US$ 200 milhões da estatal, fosse invenção da imprensa. Como se partisse da mídia a negativa de auditores externos de assinar o balanço da petroleira, tamanho o rombo. Como se os condenados no Mensalão fossem inocentes.
Nega fatos como o crescimento do país perto de zero – até negativo no caso da indústria – ou a inflação de 7,14% nos últimos 12 meses. Meras invencionices de jornalistas.
Sem qualquer pudor, Lula compara medidas duras que terão de ser tomadas para tirar o país da UTI à quimioterapia e radioterapia às quais foi submetido. Como se a doença da economia não tivesse sido provocada pelo governo Dilma Rousseff, mas por um câncer de origem desconhecida.
A galera vai ao delírio. Mas Lula e o PT precisam mais do que isso. Necessitam da mágica, do condão que o ex não mais tem.
As palavras, por melhor que as use, já não conseguem mexer um único milímetro na realidade de um país que agoniza.
Mesmo eficiente em arrancar aplausos – e até gritinhos de “lindo, lindo” vindos de fãs –, o Lula de hoje escorrega feio em searas em que nem mesmo tropeçava.
Precisa da “porta da fábrica”, da militância gratuita. De recuperar a fé de companheiros, muitos deles ressabiados depois de o ex-presidente ter ofertado cabeças para salvar a sua. José Dirceu, José Genoíno e João Paulo Cunha, que continua atrás das grades, que o digam.
Pode até ser que Lula confie cegamente no tesoureiro PT, João Vaccari Neto, enrolado em alguns milhões na Operação Lava Jato. Mas o mais provável é que o dito “na dúvida, fique com o companheiro” seja um sinal para a batalha de 2018.
Lula busca reabilitar lealdades valendo-se do credo que sempre inspirou o PT. Nele, os companheiros pairam acima de tudo. Da verdade, da Justiça, do país.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 8/2/2015.