Cortavam nos beijos e na boa perna

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No fim da minha última cró­nica, Esta­line que­ria matar John Wayne e Hitler tinha ao colo os sete anões de Dis­ney. Dzia eu: aos dita­do­res fas­cis­tas e comu­nis­tas une-os o gosto pelo cinema. Ame­ri­cano, claro.

Hitler era um maníaco dos fil­mes de ani­ma­ção. Mic­key Mouse foi, além da Branca de Neve, a sua ins­pi­ra­ção e Goeb­bels, num gesto de roe­dora ter­nura, ofereceu-lhe num Natal doze fil­mes do vir­gi­nal Rato Mic­key. Esta­line gos­tava de wes­terns e de fil­mes de gangs­ters. Ao con­quis­tar Ber­lim, rou­bou a colec­ção de fil­mes de Goeb­bels, que jun­tou à sua, em jubi­losa comu­nhão estética.

A rejei­tar, tam­bém rejei­ta­vam a mesma coisa. Hitler e Goeb­bels viram a lúbrica festa de dança e volup­tu­osa carne que é 42nd Street, diri­gido por Busby Ber­ke­ley, para quem o sexo era um calei­dos­có­pio. Vira­ram as enjo­a­das caras para o lado. Per­nas a mais, agoniaram-se os dois supe­ri­o­res ari­a­nos. Esta­line tam­bém. Um dia, Bolsha­kov, seu fiel secre­tá­rio, mostrou-lhe um filme e apa­re­cia uma bai­la­rina nua: “Mas isto é algum bor­del”, gri­tou, vexado, o lumi­noso farol do comunismo.

Goeb­bels e Esta­line con­tro­la­ram as suas indús­trias de cinema. Ambos qui­se­ram transformá-las em exem­plos de limpa peda­go­gia do povo e de épica pro­pa­ganda. Cor­ta­vam era nos bei­jos e na boa perna.

Disso não se queixa Mus­so­lini. Os lati­nos não dão dita­do­res de pri­meira classe e Mus­so­lini, dita­dor de ope­reta, não era asse­xu­ado como Hitler e Esta­line. O seu filme favo­rito era Êxtase, um mudo com a nuís­sima Hedy Lamarr a pro­di­ga­li­zar orgas­mos a uma Europa de olhos arregalados.

Se tives­sem escrito car­tas aos seus acto­res favo­ri­tos, Hitler escre­ve­ria a um gorila, o King Kong, Esta­line a uma macaca, a Che­e­tah de Tar­zan. Mus­so­lini, não era cá de maca­cos. Apaixonou-se por Anita Page, actriz ame­ri­cana. Escrevia-lhe car­tas a implo­rar madei­xas de cabelo e que casasse com ele. O famoso pro­du­tor Thal­berg, patrão da MGM, tam­bém asse­di­ava Anita. Queria-a como amante, pedido que, con­tou ela, ele subli­nhou com inequí­voco volume em incerta parte das cal­ças. Anita viu o que viu e recu­sou. A ofen­dida viri­li­dade de Thal­berg vingou-se, publi­ci­tando a pai­xão do dita­dor azei­teiro. Foi o fim de Anita. As car­tas de Mus­so­lini arruinaram-lhe a car­reira. Ainda bem que Hitler não escre­veu ao Rato Mic­key e Esta­line à Cheetah.

Este artigo foi originalmente publicado no semanário português O Expresso.

manuel.s.phonseca@gmail.com

Manuel S. Fonseca escreve de acordo com a antiga ortografia.

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