Já andava com saudades de uma lista. Bem vistas as coisas, nem é bem uma lista. É mais um vale de lágrimas.
Se eu choro muito? Choro mais por nada do que por tudo. Aos 6 anos, fui com um dedo entalado na porta da carrinha da escola e nem uma lágrima, para professor e colegas não saberem. Chorei, sim, no dia em que cheguei atrasado às aulas e sabia que a minha velhinha professora tinha de me dar com a clássica palmatória: chorei eu e chorou ela. Não chorei quando o chumbo de um tiro me furou, limpinho, a mão esquerda. Choro com a estúpida e tão visceral ideia de Pátria, bandeira e hino. Agnóstico, ateu, choro na missa se um padre disser com elevação e boa dicção as mais belas palavras da liturgia: “Tomai e bebei todos, este é o cálice do meu Sangue, o Sangue da nova e eterna aliança…” É tão belamente utópico, que até Marx choraria aqui, ele que até de prazer fez chorar a sua criada.
E fungo, choro, limpo lágrimas, seco o raio dos óculos nos filmes. Chorei parvamente com o Joselito e a Marisol. Mas onde chorei a sério, e não sei se já com dúplice intenção, foi a ver La Violetera, com a Sarita Montiel a cantar. Há um grande plano da boca dela a cantar a palavra “ojal” e foi nesse plano que descobri o que dentro de uma boca pode fazer uma língua. Chorei, claro. E mais chorei quando soube que “ojal” quer dizer botoeira, a botoeira do casaco onde se pode pôr uma violeta. O que uma língua tem de se dobrar para caber na casa de um botão.
Sempre chorei onde muito me ri. Chorei e ainda hoje choro com Chaplin, o Charlot da minha infância, com ele e com o miúdo no The Kid, com ele e, eu seja ceguinho se não chorar, com a ceguinha de City Lights. Confesso, a maior alegria que tenho com a cara de pau de Buster Keaton – oh que funda tristeza trazes tu nesse semblante! – é que sempre me deu mais vontade de chorar do que de rir.
Chorei, mais crescido, e não foram nunca lágrimas de crocodilo, no Casablanca, quando os porcos nazis atroam os ares com a sua canção fascista e o Bogart, com um aceno de cabeça, deixa que a banda toque a Marselhesa. Um coro de patriotas, mas também as putas, jogadores e bêbados, vão buscar às alienadas tripas a dignidade perdida e um gajo, no sofá do cinema, não tem outro remédio senão desatar num choro convulsivo de baba e ranho. Ah, meu Deus, de vez em quando, o bem que sabe ter a certeza e chorar ao lado dos bons.
Este artigo foi originalmente publicado no semanário português O Expresso.
Manuel S. Fonseca escreve de acordo com a antiga ortografia.
Manuel, amigo portuga de além mar, chorei ao te ler. Estou com certeza ao lado dos bons.
Miltinho, tenho andado com uma vida que já nem sei se é má por ser boa, se é boa por ser má. Peço-lhe desculpa e ao Sérgio, mas não tenho vindo aqui tomar um cafezinho como antes vinha. Vou voltar. Obrigado pelo seu comentário. Choremos, pois.