007 contra Steve Jobs

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Já é uma lenda. Imprima-se a lenda.

Steve Jobs que­ria fazer um arra­sa­dor anún­cio ao novo iMac. Pen­sou em Sean Con­nery. Não pre­ci­sam de cli­car em Con­nery: aos mais esque­ci­dos recordo que, se alguma coisa é, ele é Bond, James Bond. A admi­ra­ção de Jobs por Bond era uma admi­ra­ção de hos­sa­nas e ale­luias. Jobs pen­sou mesmo que o iMac se podia cha­mar Double-O-Mac, como quem diz, 007-iMac.

Sean Con­nery man­dou bugiar o iMac e a Apple. Con­nery tem uma voca­ção esté­tica que só lhe leva os olhos para obras de arte. Nunca tirou, por exem­plo, os olhos do esplen­dor bar­roco de Ursula Andress, essa eró­tica Torre dos Clé­ri­gos que emerge das sal­sas ondas, duas venu­si­a­nas con­chas na mão, em Dr. No.

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Erram se pen­sam que ao visi­o­ná­rio neo­tec­no­lo­gismo de Steve Jobs opo­nho o “huma­nismo senta-te ao meu colo” de Con­nery. O 007 tanto tem uma mão num dry mar­tini, como segura na outra os mais deli­ran­tes gad­gets que con­ce­bem para ele. Para Bond, não pre­cisa a esquerda de saber com e como a mão direita se entretém.

O cen­tro da vida de Steve Jobs era a tec­no­lo­gia como a guerra era o de Aqui­les. Para James Bond, a tec­no­lo­gia é uma gaveta dis­creta, uma astú­cia de Ulis­ses. Epo­peia é encon­trar uma Circe em cada ilha, orlar de Nái­a­des a fím­bria do mar.

Mas, ao humano 007 nem a tec­no­lo­gia lhe é estra­nha. Em “From Rus­sia with Love”, usa uma vis­tosa pasta de exe­cu­tivo que esconde uma espin­garda com mira de infra­ver­me­lhos. Ima­gi­nem que Steve Jobs lhe ten­tava espi­o­lhar essa pasta. Não havia delete que o safasse: a aber­tura for­çada acci­o­nava uma firewall muito avant la let­tre e abria-se o que pare­cia ser uma emba­la­gem de pó de talco que dis­pa­rava gás lacrimogéneo.

Jobs não era de desis­tir. Insis­tiu: James Bond devia pro­mo­ver o iMac, “uma cri­a­ção que ia mudar o mundo”. Con­nery escreveu-lhe, con­tun­dente. “Com­pre­ende inglês, não com­pre­ende? Não ven­de­rei a alma à Apple e não tenho inte­resse em mudar o mundo… O senhor não tem nada de que eu pre­cise ou queira. O senhor é um ven­de­dor de com­pu­ta­do­res e eu sou o fuc­king James Bond… Não me volte a contactar.”

Este mara­vi­lhoso epi­só­dio é falso. Inventou-o, em 2011, um site humo­rís­tico, enga­nando milhões de lei­to­res. Foi viral no Twit­ter. E é, porém, tão vero­sí­mil. É cinema puro. Que se lixe a ver­dade, a alma do cinema nunca foi a ver­dade, mas sim o sonho que a vero­si­mi­lhança promete.

Este artigo foi originalmente publicado no semanário português O Expresso.

manuel.s.phonseca@gmail.com

Manuel S. Fonseca escreve de acordo com a antiga ortografia.

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