A camisola interior rasgada, uma alça deitada abaixo, o cabelo desgrenhado, por quem é que julgam que Marlon Brando grita em A Tramway Named Desire? Aquele grito, “Ahh, Stellllla!”, os braços nus no ar e as mãos a apertarem a cabeça, invocam-na a ela. Ninguém, com as palavras de Tennessee Williams na boca, terá respeitado tanto o texto e tanto, com legítima liberdade, fugido dele.
Stella, a Stella de Brando, não está nos filmes e é ela que está nos filmes. Ensinou Brando, Liz Taylor, Robert De Niro, Melanie Griffith, Benicio Del Toro, para falar só de gente cintilante do cinema. Quando os vemos, sem sabermos, estamos a ver Stella.
E deixemo-la, agora, entrar, com essa grandeur que era seu timbre. Stella Adler era lindíssima e vinha de uma familiar e substantiva tradição teatral. Foi sempre, aliás, adjectivamente teatral. Era judia, nesses anos 30 em que, como Philip Roth escreve em The Plot Against America, uma América anti-semita não queria ver judeus no teatro e no cinema. Actriz em Hollywood, obrigaram-na a mudar o apelido, de Adler para Ardler, a ver se um simples “r” apagava o rasto judaico.
Mas onde ela morava era no teatro. Com um homem por quem se apaixonou e casou e com Lee Strasberg, por quem nunca se apaixonou, fez o Group Theatre. Viram o russo Stanislavski, em Nova Iorque, e converteram-se à intensidade física e à verdade emocional que o actor dava às personagens. Stella trabalhou mesmo com Stanislavski, em Paris, descobrindo, no “método” dele, facetas mais importantes do que a memória emocional do actor. Decidiu ensinar. Um exaltante documentário de 55 minutos, Stella Adler Awake and Dream, livre no You Tube, entra, como uma montanha-russa, pelas aulas dela. É muito bom ouvi-la gritar a um actor: “Estás a ser um americano protestante, um chato. Dizem-me que vens de um meio italiano. Mostra-me o italiano que tens em ti. É aí que está o actor. Esquece os olhos azuis…”
A graça dela é que era intelectual e mundana. Exigia absoluta integridade. Mas abominava que os actores rejeitassem o mundo. Um dia – já deviam ser os anos 70 e talvez tenha passado pela Cornucópia – queixou-se: “O mundo está perdido, Não sei o que se passa com as actrizes de hoje, parece que só se interessam por Chekov. Já nenhuma se interessa por diamantes.” De si mesma, disse que poderia viver em qualquer país comunista. “Com a condição de ser eu a rainha”, esclareceu.
Este artigo foi originalmente publicado no semanário português O Expresso.
Manuel S. Fonseca escreve de acordo com a antiga ortografia.