Foi um charlatão, ápodo que se dá a certos homens de talento. Orson Welles, deslumbrado, filmou-o em F for Fake. Chamemos-lhe, como ele se auto-baptizou, Elmyr de Hory.
Nasceu na Hungria, em família aristocrática – e é mentira. O pai era embaixador austro-húngaro – mentira. A mãe, descendente de sólida linhagem de banqueiros – outra mentira. Em Paris, foi aluno, muito bom, de Fernand Léger, e converteu-se a prazeres sibaríticos: seda, champagne, luxúria. Podia ser mentira, mas é verdade, numa vida em que a verdade foi sempre espelho da mentira.
Veio a Guerra e os nazis espetaram com ele num campo, acusando-o de judeu e homossexual. De judeu não tinha nada, de homossexual tinha tudo. Fugiu, mentiu e sobreviveu.
Acabada a Guerra, descobriu que desenhava Picassos como quem respira. O primeiro vendeu-o a um inglês que o engoliu (sem água) por autêntico. Essa venda, e a vontade de uma vida faustosa, atirou Elmyr para os braços da fraude. Falsificou Picassos. Depois Matisse, Modiglinani, Renoir. Vendia-os porta a porta. Um dia, em Los Angeles, abriu o portfolio e o galerista ficou abismado com os Picassos e Modiglianis. Tão abismado que desconfiou. Atirou com a pasta a Elmyr, gritando-lhe que a porta da rua era a serventia da casa. Na rua, Elmyr perguntou ao ofendido galerista: “Mas os desenhos não estão bem feitos?”
Falsificador gentil, não estava ali para enganar ninguém: queria que os seus Toulouse-Lautrec, Chagall e Bonnard fossem obras-primas da falsificação. Mas nunca falsificou Léger, o seu mestre.
Não copiava, criava obras novas. Como o genial Matisse vendido ao Fogg Art Museum, da Universidade de Harvard. Os peritos viraram-no do avesso: era autêntico. Compraram-no e expuseram-no.
Foi aqui que se torceu da que sabem o belo rabo. Espíritos mesquinhos pediram peritagens e descobriram a burla. Havia texanos cheios de poços de petróleo que tinham salas cheias de Elmyres. Souberam então – e era verdade – que tinham sido suavemente comidos, por trás e pela frente.
Voltou a fugir e sobreviveu o suficiente para que Orson Welles o filmasse. Exilado em Espanha, disseram-lhe que Franco ia extraditá-lo para França. Tinha 70 anos. Acabaria os seus dias na choldra. Isso é que era bom! Tomou uma dose cubista de comprimidos e morreu, com uma elegância de Modigliani, nos braços do amante.
Este artigo foi originalmente publicado no semanário português O Expresso.
Manuel S. Fonseca escreve de acordo com a antiga ortografia.