Matava uma fartura de brancos. Fazia-o com um gosto que não disfarçava. A culpa foi de Quentin Tarantino, que fez dele, em Django Unchained, o escravo que um barroco actor alemão liberta. Mas a liberdade de Jamie Foxx começou às mãos carinhosas e duras da avó. Ensinou-lhe tudo o que um actor deve saber, essa avó que o criou, nos anos 70, em Terrell, no Texas. “Põe-te direito, ombros para cima” e zás, um carolo na cabeça. Se o miúdo Jamie aparvalhava, como todos os candengues aparvalham, tumba, uma palmada no rabiosque e um “act like you have some sense!” Quando recebeu o Oscar pela interpretação em Ray, Jamie Foxx não se esqueceu da avó. A fungar, a voz a pifar por todos os lados, levantou a estatueta ao céu, e evocou essa primeira professora de representação. Batia-lhe como mais ninguém lhe soube bater, dando-lhe conselhos que, se lembram ao diabo, nunca lembrariam aos mestres Stanislavsky ou Strasberg: “Quero que te portes como um cavalheiro sulista.” Não sei se Jamie Foxx é um verdadeiro cavalheiro sulista, mas tem uma energia de século XXI que o autoriza a ser cómico de stand-up, apresentador de televisão, músico e o magnífico actor de cinema que teve em 2004, com Ray e o belíssimo Collateral, um ano de excelência A primeira vez que o vi com olhos de ver foi em Any Given Sunday, filme do abominável Oliver Stone sobre uma equipa de futebol americano. Al Pacino é o treinador e tem de recorrer a Foxx para substituir a sua vedeta lesionada. Pacino precisa de inspirar o jovem jogador. Fala-lhe, exuberante, siciliano, aos gritos, cara a cara, a querer motivá-lo, como Jorge Jesus grita a Markovic. Foxx lembra-se bem dessa cena: “A cada f, a cada p, a cada s mais sibilado, chovia saliva e eu só pensava que devia ter, na cara, uma escova limpa-pára-brisas.” Até que uma excelsa gota mais dirigida sai da boca de Pacino e pousa nos lábios abertos de Foxx. “E agora,” pensou Foxx. “Tenho a saliva de Al Pacino, talvez o melhor actor do mundo, na minha boca. O que é que eu faço com o sumo dele? Fiquei com a saliva, provei-a, aceitei o ADN dele na minha boca e, pouco depois, ganhei um Oscar.” Foxx já saboreou Al Pacino. Mas a Foxx, com a excepção de um Oscar, Holywood ainda não sabe se o marisque, se o petisque. O que é que um actor negro pode fazer que não seja matar uma fartura de brancos?
Este artigo foi originalmente publicado no semanário português O Expresso.
Manuel S. Fonseca escreve de acordteo com a antiga ortografia.
O que seria Manuel,um bom papel para o grande ator? Se Ray e Django lhes pareceram ruins, Foxx os transformou!
Um grande ator como Jamie Foxx ressente-se de um bom coadjuvante, um vilão magistral.
Eli Wallach teria sido magistral no papel de DiCaprio em Django porque muito mais vilão, coadjuvante com a marca da vilania.