O Porsche Spyder 550 prateado, o número 130 pintado nas portas e no capô, estava ali. Os dois homens entraram prontos para uma viagem de sete horas. Estavam em Los Angeles, Califórnia, EUA, e partiriam para Salinas, no mesmo estado, para uma corrida de automóvel – era o dia 30 de setembro de 1955.
O Spyder, novinho em folha, era um convite para o pé no acelerador. A hora em que deixaram Los Angeles não é bem certa, mas às 16h50, na rota 99, dois guardas pararam o carro e multaram seu motorista, que viajava a l25 quilômetros por hora. O Porsche chegou aos arredores de Cholame às 17h55, e ia em direção ao entroncamento de Grapevine, estrada 466 com Highway 41, um trecho em forma de Y. O sol estava nas costas dos dois viajantes e batia de frente nos olhos do sr. Donald Turnupseed, que seguia em seu Ford Custom Tudor preto 1950 em sentido contrário. O sr. Turnupseed pretendia deixar uma das hastes do Y e virou para a esquerda, em direção à frente do Porsche.
– Ele tem que parar, ele tem que nos ver! – gritou o motorista do Porsche.
Sinais na estrada indicariam que o sr. Turnupseed tentou frear e derrapou duas vezes, mas em uma única vez em que falou sobre o acidente disse “Eu não o vi, por Deus, eu não o vi”. A batida foi de frente. O motorista do Porsche teve o pescoço e a espinha dorsal quebrados.
Assim morreria, minutos depois, em uma ambulância, James Dean, 24 anos, estrela de cinema que se tornaria um gigante mesmo depois de morto – teve duas indicações para Oscar póstumo.
Filme
A vida de James Dean será filmada agora por Robert Pattinson, conhecido por seu papel como o vampiro Edward Cullen em Crepúsculo. Ele será o fotógrafo Dennis Stock, amigo e companheiro de Dean. James será interpretado por Dane DeHaan, nova revelação de Hollywood que estará nas telas em 2014 em O Espetacular Homem Aranha 2. Título do filme: Life. Na direção, Anton Corbijn, que já filmou a vida trágica de Ian Curtis, vocalista do Joy Division.
Depois de várias pontas e pequenos papéis em cinema, teatro e televisão, James Dean teve, em 1955 (ano em que morreu) e 1956, o reconhecimento e a glória mundiais. Foi o primeiro ator a receber uma indicação póstuma para o Oscar por East of Eden (Vidas Amargas) em 1956 (o vencedor foi Ernest Borgnine, por Marty). No mesmo ano, em outubro, depois de sua morte, estreou Rebel Without a Cause (Juventude Transviada), com um sucesso tão grande nos EUA que ficou em cartaz por sete meses, batendo todos os recordes de bilheteria da época. Em outubro de 1956, lançaram Giant (Assim Caminha a Humanidade), e ele foi novamente indicado postumamente para o Oscar de melhor ator em 1957 (o vencedor foi Yul Brynner, por O Rei e Eu). Sua morte teve repercussão mundial.
Em 1992 Joe Hyams, um colunista de sucesso que dedicou-se principalmente ao cinema (entrevistou Lauren Bacall, Katharine Hepburn, Frank Sinatra e Spencer Tracy) lançou sua biografia James Dean: Little Boy Lost (James Dean, Garotinho Perdido), em que escreve:
“Não há uma explicação simples de por que ele significa tanto para tantas pessoas hoje. Talvez seja porque, em suas interpretações, ele teve o talento intuitivo para expressar as esperanças e temores que são uma parte de todos os jovens… De alguma maneira mágica ele conseguiu dramatizar brilhantemente as questões que todos os jovens de todas as gerações precisam resolver”.
Morte
Em 30 de setembro de 1955 o mecânico Rolf Weutheric foi o passageiro que embarcou com James Dean no Porsche 550 prata. O dublê Bill Hickman e o fotógrafo Sandford Roth, que preparava um álbum sobre James, embarcaram junto com eles, em um Ford azul-celeste – é de Roth a última foto de James vivo, quando os dois foram ultrapassados por ele. James quis ir dirigindo para amaciar o motor do carro.
Depois do acidente, na ambulância, o mecânico Rolf, ao lado de James – que tinha muitos sangramentos internos provocados pela coluna quebrada – disse que ouviu “um grito suave emitido por Jimmy, a lamúria de um menino chamando sua mãe ou de um homem encarando Deus”. James morreu em seguida.
Rolf, de 28 anos, quebrou o queixo e o fêmur esquerdo, ficou com amnésia parcial e mais tarde voltou a andar. Algum tempo depois entrou com uma ação alegando imprudência e recebeu 100 mil dólares da família de James.
Donald Turnupseed, 23 anos na época, praticamente nada sofreu. Foi medicado por um ferimento no nariz e alguns outros no hospital de Tulare, Califórnia, sua cidade. “Eu não o vi” foi a única explicação que deu, à polícia local. Teria também dado uma entrevista a um jornal de Tulare, mas isso não tem confirmação. Ele guardou silêncio absoluto depois disso, embora constantemente assediado por repórteres do mundo inteiro.
Viveu mais 40 anos, formou família e montou uma empresa de sucesso na área da eletricidade. Morreu em 1995 vítima de câncer no pulmão.
Vida
James Byron Dean nasceu em 8 de fevereiro de 1931 em Marion, Indiana, filho de Mildred Wilson Dean e Winton Dean. O Byron era homenagem de sua mãe ao poeta Lord Byron. Mildred amava a poesia e tinha vários livros delas, que depois passaram a ser lidos e recitados pelo filho. Winton era protético. Com James aos sete anos a família mudou-se para Santa Monica, subúrbio de Los Angeles, e ele foi matriculado em uma escola do bairro de Brentwood.
Assediado pelos colegas, por ser tímido e míope (três graus), dedicou-se às aulas de dança e violino, e mais tarde à fotografia, escultura, pintura e música. Depois, às corridas de automóvel. A mãe incentivava suas incursões pelas artes e deu-lhe um violino. Mildred morreria de câncer em 1940, James tinha 9 anos, e ele colocou o violino no caixão dela.
As despesas com a doença da mulher levaram Winton à falência. James foi morar com os tios, Marcus e Ortense, em uma fazenda em Fairmount, interior de Indiana. Lá, tinha múltiplos afazeres, de alimentar os animais a ordenhar vacas. Aos 10 anos o tio o ensinou a pilotar o trator. Aos 16, deu-lhe uma moto Whirrer, com um cavalo de potência. James apaixonou-se pela velocidade e, embora a moto não pudesse correr muito, era chamado de louco.
Surgiu então a oportunidade de atuar em uma peça na escola, e a interpretação o apaixonou. Incentivado pela tia, inscreveu-se em um concurso de declamação para amadores com o monólogo “The Madness” (A Loucura), de Charles Dickens. Destacou-se e, pela primeira vez, passou a ser comentado favoravelmente. Foi matriculado então no Santa Monica Junior College. Conheceu o respeitado ator James Whitmore e freqüentou o curso de teatro que ele patrocinava. Fez também comerciais e várias pontas em filmes e peças. Seguindo conselho de Whitmore, mudou-se para Nova York, em 1951, para tentar seriamente o cinema e o teatro. Naquela época trabalhou como ajudante de garçom e porteiro de prédios, entre outras atividades semelhantes, para se manter.
Cansado de fazer pontas aqui e ali, James, incentivado por Whitmore, faz um teste no disputado Actors Studio de Nova York, que já havia revelado Marlon Brando, Montgomery Clift e Arthur Kennedy, entre outros. E é aprovado. Em 1952 ele escreveu para sua família:
“Tenho feito grandes avanços em minha arte. Depois de meses de audições estou muito orgulhoso de anunciar que sou membro do Actors Studio. A maior escola de teatro. Teve grandes atores como Marlon Brando, Julie Harris, Arthur Kennedy, Mildred Dunnock. Poucos conseguem entrar nela e é absolutamente grátis. É a melhor coisa que pode acontecer a um ator. Sou um dos alunos mais jovens. Se eu conseguir continuar e nada interferir com meu progresso, um desses dias poderei contribuir com alguma coisa para o mundo.”
Ele trabalharia depois com Arthur Kennedy em See the Jaguar (Veja o Jaguar), uma peça da Brodway, também com Julie Harris em East of Eden (Vidas Amargas) e Mildred Dunnock em Padlocks (Cadeados), episódio de uma série de TV.
O escritor Morris Heldt conta uma passagem de See the Jaguar. O ator Phillip Pine dividia o camarim com James Dean durante todo período, nas temporadas Off-Broadway e Broadway. Segundo Phil, Jimmy, como Dean era chamado, não demorou a demonstrar, como ator de palco, que era realmente um pé no traseiro para seus colegas. Ele freqüentemente dizia suas falas em uma cadência diferente ou mesmo de outro lugar que não o previsto, o que provocava tensão.
Eles estavam em um ensaio na Filadélfia, preparando-se para a Broadway, e iriam estrear naquela noite. Havia uma cena em que o personagem de Phil, com um rifle na mão, agarra um braço do personagem de Jimmy e o leva para fora do palco. Naquele ensaio, quando Phil pegou o braço de Jimmy, este começou a reagir. Surpreso, Phil interrompeu o ensaio e gritou para Michael Gordon, o diretor. “Michael, isto é novo e eu não estou sabendo?”. “Não”, respondeu Gordon. “Apenas agarre-o e mande-o para o inferno fora do palco”.
Depois do ensaio Phil não conseguiu falar com Jimmy sobre a cena. À noite, diante do público, e portanto ao vivo, Jimmy começou novamente a resistir a Phil. Phil pegou seu rifle e bateu com a coronha, firme, no pé de Jimmy. Jimmy gritou de dor e foi conduzido mansamente para fora.
Nos bastidores Jimmy perguntou a Phil: “Por que, diabos, você fez isso comigo? Doeu”.
“E por que você não deixou a cena como ela foi escrita?”.
“Porque – respondeu Jimmy – acho que meu personagem lutaria com você”.
“Se ele lutasse comigo – encerrou Phil bruscamente – o meu personagem faria o mesmo”.
See the Jaguar fracassou, mas James chamou a atenção da crítica e pouco depois fez “O Imoralista”, também na Broadway, peça baseada em obra de André Gide. Nela, ele faz o papel de um homossexual. Ganhou o Tony Award de melhor ator do ano.
Velocidade Dean
Na época em que morava com os tios, em Fairbanks, James conheceu o pastor James de Weerd, do qual se tornou amigo íntimo (chegou a ser dito que James era bissexual e manteve relações com ele). Weerd, que havia sido capelão de infantaria na Itália, durante a segunda guerra, contava a ele histórias daquele tempo, que James ouvia atentamente. Ele também o ensinou a dirigir seu cadilac conversível. E, sem que Weerd soubesse, escondido dele e do tio, começou a participar de corridas com o carro. Venceu várias delas, o que lhe conferiu o apelido de “one-speed Dean” (velocidade Dean, em tradução livre).
Voltando à Broadway e a O Imoralista. Apesar do sucesso de James ele tem uma discussão com o diretor, que pretendia cortar uma de suas falas, e abandona a peça. Desanimado, ele pensa em deixar tudo e voltar a morar com os tios, para os quais escreve anunciando sua decisão.
Jane Deacy, agente cinematográfica, havia se tornado agente de Dean naqueles primeiros dias dele em Nova York, trabalhando como garçom e porteiro. Quando ele pensou em desistir, ela lhe disse que havia um convite de Elia Kazan para que fizesse um teste. O filme seria Vidas Amargas, rodado em Hollywood em 1954, baseado em livro de John Steinbeck. James se entusiasmou. Afinal, Kazan havia lançado Marlon Brando. Brando e Montgomery Clift eram os únicos atores que mereciam sua admiração.
Não tendo infra-estrutura em Hollywood, Jane recorreu à agência de um amigo, que designou um ex-ator, Dick Clayton, para cuidar de James. Clayton conhecia os meandros de Hollywood e sabia como lidar com atores. Dias depois achou uma maneira de James comprar um pequeno carro esporte, um MG, e logo em seguida ele poderia ser visto correndo pela cidade, às vezes com uma linda mulher, também providenciada por Clayton.
James Dean foi o escolhido no teste, mesmo concorrendo com Paul Newman. Ele faria o papel de Cal Trask, um jovem depressivo e problemático. O adiantamento que recebeu foi de cinco mil dólares, e com eles comprou uma moto Triunph T-110. O elenco passaria algumas semanas nos arredores de Spreckels, no vale de Salinas, onde algumas cenas seriam filmadas. Kazan soube que James pretendia ir para lá em sua moto.
– Nada feito, Jimmy. Não posso correr o risco de você ter uma queda.
A fama de grande velocista de Dean era conhecida.
– A gente espera ter uma queda uma vez por ano – disse ele a um repórter.
– Se ele quer se matar – disse Kazan – espero que isso não aconteça durante um filme meu.
No meio das filmagens James acabou conhecendo, em um estúdio vizinho, a atriz Pier Angeli, que trabalhava em “The Silver Chalice” (O Cálice Sagrado). Dizem que foi o grande amor de sua vida, e chegou-se a falar em casamento. A mãe de Pier foi contra, porque James não era católico e tinha fama de rebelde – enfim, um garoto problema. Isso, mais a indecisão de James sobre o casamento levaram Pier a desistir dele e casar-se com o cantor Vic Damone. O casamento durou quatro anos. Pier Angeli morreu em 1971, aos 39 anos, com uma overdose de barbitúricos.
Salinas
Nicholas Ray viu o filme de Kazan em janeiro de 1955 e concluiu que James Dean era o ator para seu próximo filme, Juventude Transviada. Jim Stark, o personagem, tinha muito, muito de James. Ele procurou o ator e o convidou. Ao ler o papel de Stark, que praticamente o personificava, Dean aceitou. Recebeu 50 mil dólares e comprou um Porsche Spyder prateado. Animadíssimo, dizia a amigos que ele atingia 240 kms/hora.
Participou de corridas, venceu algumas e disse ao diretor Ray que pretendia correr em Salinas em outubro.
Estava tão à vontade em Juventude Transviada que deu palpites na trama, na formação do elenco e dispensou os dublês que o substituiriam em cenas mais perigosas. Passou a dormir no estúdio, onde recebia centenas de fãs que haviam visto Vidas Amargas e se apaixonaram por ele. Queriam autógrafos ou simplesmente vê-lo, estar ao lado dele.
Quando terminou Juventude foi convidado pela Warner Bros para Giant (Assim Caminha a Humanidade), de George Stevens, ao lado de Elizabeth Taylor e Rock Hudson. Aceitou. Recebeu 300 mil dólares e comprou um novo Porshe Spyder. Só que a Warner, sabendo de sua mania de corridas, o fez assinar um documento em que se comprometia a não correr durante as filmagens. Relutou, mas assinou.
Teve inúmeros problemas durante as filmagens, principalmente com Rock Hudson, a quem chamava de grandalhão preguiçoso. Mas se dava muito bem com Elizabeth Taylor.
O sucesso de Assim Caminha a Humanidade é histórico.
As filmagens começaram em março e terminaram em 22 de setembro.
No dia 30, James embarcaria em seu Porsche para Salinas.
Esta reportagem foi originalmente publicada na Folha de S. Paulo, em 31/12/2013.
O filme sobre James Dean foi concluido?
Tem um erro na parte que Donald Turnupseed viveu 40 anos e morre em 1995 e nao em 1963, na verdade ele morre com 63 anos… Mas que texto muito bom! obrigado!
Caro Ricardo,
Muito obrigado pela correção, que já foi feita: como diz o texto, ele tinha 23 anos na época do acidente; viveu MAIS 40 anos e morreu – agora a data está certa, graças a você – em 1995.
Um abraço.
Sérgio