Um dia, naquelas minhas frequentes conversas com o Tavinho Moura, apresentei a ele uma lista de títulos de futuras canções, todas referentes à minha querida Diamantina. Nomes lindos e sugestivos de ruas, becos e espaços que eu guardara na memória de minha infância. Mas quando me vi diante de um tema daqueles tempos, a narrativa de uma velha senhora (veja que absurdo, quando se tem sete ou oito anos todo mundo que não é criança é velho) que trajava uma roupa toda revestida de latas e que, ao ouvir a algazarra da criançada saía jogando pedras na meninada… aqui eu corto o parágrafo, pois não quero endoidecer os meus leitores. Fernando, lembre-se dos seus mestres e não exagere.
Pois bem. Fiz uma letra, no intervalo de um jogo do Brasil em uma Copa do Mundo, e o Tavinho musicou. Mas ele ficou muito aborrecido com este seu querido parceiro. É que eu usei a maioria dos nomes da lista na letra que lhe mandei. E as outras canções, o que é que vamos fazer? Pedi-lhe calma e lhe disse que uma citação ali não invalidaria a criação de novas canções, cada uma com seu título. Verdade é que até hoje isso ainda não aconteceu, mas prometo que acontecerá. Mas é por aquelas ruas e becos que a Chaleira do Alto da Poeira caminhava com seus trajes de mendiga. E a meninada atrás.
Um dos nomes que constava da lista me veio agora ao pensamento: Rua Caminho do Carro. Fico com a camisa sem botões imaginando o que esse nome significa. Se havia uma rua do caminho do carro é porque as outras todas eram reservadas para os humanos sem condução, os que andam a pé ou a cavalo. E esse carro talvez nem fosse motorizado, sendo conduzido por bois ou cavalos. Tudo isso é possível por estarmos falando de uma humana e bela cidade mineira do tempo do ciclo dos diamantes.
Carro era um veículo tão pouco usado que não circulava por todos os cantos das redondezas. Tinha seu lugar exclusivo, mas somente aquele. Igualzinho hoje, você deve pensar. Ou deveria ser. Nesse nosso tempo, os automóveis tomaram conta de tudo. Ruas, passeios e avenidas. Já nem há mais becos, que não comportariam os espaçosos e velozes veículos da modernidade. O ser humano, não motorizado, foi escorraçado da via pública. Viver a pé nas grandes cidades é correr perigo constante de ser atropelado. O transporte público é uma vergonha, um escracho. E a ele está condenada a maioria da população.
A facilidade para se comprar um carro para os indivíduos é inversamente proporcional à qualidade das ruas e dos transportes de pessoas. Precisamos inventar, com urgência , a Rua do Caminho dos homens, das mulheres, dos velhos e das crianças.
Esta crônica foi originalmente publicada no Estado de Minas, em outubro de 2013.
Beleza de taxto. Recorda o passado, critica o presente e almeja o futuro com leveza, talento e poesia.