Meus pais me olham através do retrato. Sinto a presença deles. É para isso que pomos as fotografias das pessoas que gostamos na parede. Para que em dado momento do dia, em hora que estamos à procura de algo, nos deparemos com olhares que sempre nos acompanharam e que não estão mais ao nosso alcance.
Mas a memória fortalece a visão das imagens de amigos e parentes que passaram por nossa existência. Aquelas conversas e as peladas com o Gonzaguinha, cada um de nós mostrando a sua mais nova canção. Os almoços festivos com o Veveco, cozinheiro maior do nosso mundo particular, a voz da Elis ao telefone.
O amigo me fala dos diálogos com sua mulher, física, que sugere que a medicina está se modificando, seus conceitos cada vez mais influenciados pela física e pela química. A ciência não pára de fazer perguntas e buscar respostas para o universo e a vida. São estudos e pesquisas que visam a nos explicar e conhecer essa máquina maravilhosa que somos, os humanos.
Os cientistas não param de avançar, e foi assim sempre. A cada descoberta, no entanto, correm o risco de se sentirem deuses, donos da verdade absoluta. Mas se trata aqui de algo muito complexo que, sozinhas, nem a crença nem a ciência conseguem solucionar. Somos todos de barro e o nosso andor também.
O corpo humano está aí à disposição para ser desvendado pelas novas tecnologias. Exames clínicos e aparelhagem moderna enxergam como os nossos órgãos e esqueleto funcionam e os profissionais da medicina, sem deixar de lado a experiência e o saber empírico, estão em melhores condições, hoje, de avaliar a nossa saúde.
Mas daí a concluir que somente fenômenos físicos e químicos são capazes de nos compreender em nossa totalidade vai uma boa distância e aqui eu me armo de desconfianças, pois somos mais complicados do que fórmulas científicas.
Poesia, amor, música, criação, pensamento, sentimentos e afetos são uma enormidade de beleza que não cabem em manuais. O que ocorre com a humanidade enquanto fazemos, enquanto estamos e ainda não somos, é um mistério que filosofia, religião e ciência tentam revelar, mas a tarefa é gigantesca. Cada conhecimento é um buraco novo de ignorância que a vida nos impõe.
A presença dos vivos e dos que se foram é muito forte e o simples parar de respirar, o sopro que se vai não faz com que desapareçam. Na memória eles permanecem.
Minha Clara fez um desenho com uma casa, uma outra, pequena, um cachorro e um coração. Dedicou-nos com as seguintes palavras: “Para o vovô e a vovó se lembrarem do Miró”. Isso vale um milhão de tratados.
Esta crônica foi originalmente publicada no Estado de Minas, em dezembro de 2013.
Não se compra, não se faz pílulas, não tem bula, não tem remédio. Boa a partilha de Clara, avõs e Miró.