É comum nos relacionamentos sociais que as pessoas, postas diante de um questionamento incômodo, saiam pela tangente e façam um discurso inteiramente diverso do que lhes foi perguntado. Políticos, então, são mestres nesse ofício. Falam o que querem, desprezando o interlocutor.
Nem falo do Paulo Maluf, pois este é um escândalo. Quem foi mestre nesse saber, um caso exemplar de experiência e pura esperteza, era o Leonel Brizola. Como não tinha espaço para se manifestar na grande mídia, aproveitava qualquer oportunidade para dizer não o que lhe era perguntado mas o que lhe era conveniente expressar. Sua frases eram lentas, pausadas, o que impedia que seu pensamento fosse cortado ao meio.
Isso desagrada aos cidadãos de todo o mundo. Não é só no Brasil que a política é feita de dissimulações e inverdades. Pode-se até admitir que o chamado sistema tolha os movimentos e as boas intenções dos eleitos. Mas a coisa mais difícil de se encontrar, em qualquer país do mundo, é a coerência entre a fala do candidato e a ação do escolhido pelo voto. O eleitor não quer fazer papel de bobo, mas a sua memória curta faz com que a maioria repita os mesmos erros a cada eleição.
Veja o que ocorreu no Brasil durante o mês de junho. Os dirigentes, nos primeiros dias, perderam o rumo diante das manifestações volumosas em todas as ruas do país. A síntese de tudo era a constatação de que os representantes não estavam nos representando. E tome-se a enumeração dos problemas não resolvidos que infelicitam a vida de todos: queremos padrão Fifa , o melhor, para a educação, a saúde, o transporte, o saneamento básico. “ Não queremos teleférico, queremos tratamento de esgoto” foi o que disse a voz emblemática na Rocinha.
Até hoje, congressistas e governos estão fingindo que vão realizar o que o que o povo pediu. Até agora só fogos de artifício, enrolação. E a corrupção escorre pelos gabinetes.
E como anda o mundo, hoje, no começo de nossa primavera e do outono deles? Há dois anos, se morre e se mata na Síria. Os governos e a ONU ficam observando.
Mais de cem mil já morreram, outros milhares foram feridos, a terra está arrasada e os refugiados se contam aos milhões. Pobre e infeliz povo sírio.
De repente criaram uma linha vermelha imaginária que não poderia ser ultrapassada. Se usarem armas químicas haverá intervenção . Usaram as armas proibidas e cerca de mil e quinhentos seres humanos tombaram ao contato com elas. Diante da ameaça de ação americana, os russos propuseram um acordo. O governo da Síria as entregaria à ONU para serem destruídas. As reuniões se sucedem mas nada avança. Enquanto se conversa sobre se a lista apresentada é confiável, a vida dos sírios continua a mesma tragédia. O que lá acontece todos os dias parece não importar mais. Os poderosos das nações do norte mudaram de assunto.
Esqueceram os que morrem de armas convencionais. E o número de crianças, mulheres e homens abatidos na guerra civil aumenta a cada dia, a cada hora.
Esta crônica foi originalmente publicada no Estado de Minas, em setembro de 2013.
Bom texto, sem destilação de ódio, mas repleto de mansas e pacíficas verdades que nos remetem a reflexão.
Os os poderosos das nações do norte e sobre a guerra civil, ao sul do equador, onde equatorianos, venezuelanos, peruanos, argentinos, chilenos, brasileiros, colombianos, uruguaios e bolivianos são abatidos, dia, a dia, a cada hora.
Não usamos armas químicas, sofremos com a interveção externa e sofremos com o desprezo dos políticos que não valorizam a interlocução.
Não deram ouvido as manifestações das ruas. Surdez mais letal que os gases da Síria.