Em 16 de julho de 1950 eu estava com 12 anos. Completaria 13 em setembro. Tive uma sorte danada. Um amigo de papai, daqueles apaixonados por futebol, tinha ingressos para todos os jogos da Copa. Seu nome era Hercílio Mota. Nunca me esqueci nem de seu nome, nem do nome de sua mulher, Zezé, em parte pela simpatia do casal, em parte pela delicadeza que a família sempre teve comigo.
Eles tinham vários filhos, se não me engano cinco ou seis. Um era afilhado do papai e se chamava Fernando. Era comandante da Panair e não podia ficar para todos os jogos. Um dos outros era Joel. Pois é ao Joel que devo uma lembrança inesquecível. Não me perguntem quais as “tramas político-familiares” que levaram o Joel a me convidar para ir com ele assistir ao jogo Brasil x Espanha, pois não me foram comunicadas. Algum adulto de bom coração deve ter notado aquela menina louca para participar do espetáculo que todos diziam ser sensacional.
O fato é que lá fui eu ao Maracanã, onde o espetáculo foi mais do que sensacional, simplesmente inesquecível. Cantar, a plenos pulmões, o delicioso Touradas em Madri com todas aquelas pessoas que lotavam o estádio, foi maravilhoso!!
Sou pois da geração que sofreu o trauma de 1950…
Mas, como tudo passa, em 1958 voltamos a sofrer, a torcer muito e a vibrar ao lado do rádio, mas com resultados felicíssimos, como todos sabemos. Depois, em 1970, foi aquele grito que, se há habitantes no espaço sideral, certamente ouviram o GOOOOL! que saiu de nossos corações.
Nessa ocasião eu morava no Recife e o combinado era não torcer muito – afinal, o Brasil não andava feliz e aquela história de Pra Frente Brasil ou Ame-o ou deixe-o incomodava demais. Mas na Hora H, não conheço ninguém que não tivesse festejado muito. À noite, o bar do Hotel São Domingos, o ponto do happy hour local, estava lotado e, como dizia meu marido, ali de esquerda só os canhotos…
Em 1980, estive na Cidade do México. Não tomei um táxi, fosse para que endereço fosse, que o motorista não desse um jeito de passar pelo Estádio Azteca, diminuísse a marcha para apontar o “altar” onde o Brasil vencera!
Foi ali que comecei a me dar conta que o que para mim era muito significativo, para meu filho, então com 8 anos, era um fato histórico simpático, mas menos interessante que as pirâmides de Teotihuacán, que ele tanto amara.
Outras copas vieram, outras derrotas e outras vitórias. Nenhuma tão marcante para mim, pelo menos.
O que me impressiona atualmente é a ausência da alegria espontânea do torcedor. Na África do Sul a chatíssima Vuvuzeuela. E agora, aqui, já estão apresentando outra chata, a Caxirola! Só o nome…
Por que não deixar o torcedor cantar o que lhe vem ao coração? Por que esse barulho forçado e irritante? Por que esse risco de alguns mal-intencionados ‘caxirolarem’ em horas impróprias?
Vocês todos devem ter visto a beleza que foi o estádio dos Yankees cantar o hino dos Boston Red Sox, não foi?, no momento em que os alto-falantes avisaram que o segundo criminoso tinha sido apanhado?
A alegria que sai dos corações é sempre muito mais linda do que a planejada. Que, na maioria das vezes, desanda…
Copiei do You Tube a apresentação que o Carlinhos Brown faz das caxirolas. Ouçam e depois digam o que acharam…
23 de abril de 2013
Hoje em dia tudo é feito visando lucro. Carlinhos Brown está na dele. Essas 50 mil caxirolas são “de graça” pra quem?
Hoje os meus domingos
São doces recordações
Daquelas tardes de Maracanã
Futebol e emoções
O que foi felicidade
Me mata agora de saudade
Velhos tempos
Belos dias
Hoje os meus domingos
São doces recordações
Daquelas tardes de Maracanã
Futebol e emoções
O que foi felicidade
Me mata agora de saudade
Hoje os meus domingos
São doces recordações
Daquelas tardes de Maracanã
Futebol e emoções
O que foi felicidade
Me mata agora de saudade
Velhos tempos
Belos dias
Os neologismos duca do Pasquim.
O Pasquim completaria ano que vem 45 anos e as novas gerações devem àquele jornaleco contestatário muito dos usos e costumes que hoje se tornaram, digamos assim, normais no cotidiano dessa segunda década do século XXI.
Infelizmente, muito da iconoclastia do Pasquim, que marcou os anos 1960 e 1970 (a ponto de desafiar o regime de exceção vigente, levando para a prisão, vezes incontáveis, seus editores e colaboradores), estaria hoje condenada pelo incorreto “politicamente correto” que assola o País.
À luz de Freud. Sig, o ratinho neurótico símbolo do Pasquim. Ilustrações: Pasquim
Quem aceitaria agora, sem botar a boca no trombone, a Bicha do Pasquim, o hilário personagem criado por Edélsio Tavares, heterônimo do saudoso Ivan Lessa? Ou não reclamaria do nome da editora de livros do jornal, a Codecri – Comitê de Defesa do Crioléu, invenção de Henfil? Top, top pra quem não gosta disso.
Já escrevi, saudoso, sobre o querido Pasca, mas nunca é demais repetir o panegírico. Muitos de seus colaboradores talvez se deem conta de que a grande herança pasquínica foi o enriquecimento do vernáculo, a criação e popularização de expressões que entraram para a nossa língua luso-afro-indígena.
Ultimamente, a escrita semicifrada dos jovens internautas ou ciberlinguistas – cuja base não foge dos signos telegráficos – tem virado papo obrigatório nos torpedos, blogs, sites e redes sociais. Claro que expressões próprias são inerentes às tribos, principalmente as urbanas. Entretanto, a criatividade ou simples molecagem da patota do atrevido Pasquim criou neologismos duca. Um discurso quase pornô (que teve como seu abre-alas a famosa entrevista de Leila Diniz e seus asteriscos), cujo vocabulário foi imediatamente adotado pelos leitores, inclusive como forma de protesto.
Cheguei até a escrever, há tempos, que o genial nisso tudo foi que os vocábulos e expressões, agora corriqueiros, sugeriam, mas não diziam a coisa (Epa!), embora carregassem a força sonora da palavra por vezes chula, vulgar, de baixo calão ou como quisessem classificar o impublicável (Opa!).
Putzgrila! é uma delas, das poucas cuja intenção não ruboriza o vernáculo, a exemplo de um “puxa vida!” Os Fradinhos do Henfil adoravam um putzgrila. Mas, num degrau acima da estupefação ou indignação nasceu o pô, que, a exemplo da palavra mater, há muito virou vírgula.
Pô, e o paca? Uma abreviação do ingênuo “pra chuchu”. Já o supracitado duca – cujo referente contemporâneo é caraca! – vem daquele palavrão cabeludo. Uma coisa duca é mais que demais. Quiuspa? Um verdadeiro desabafo para uma sacanagem de qualquer natureza, inclusive uma topada, que, à época, resultou na comportadinha safanagem, pois sacanagem a Censura riscava, certamente por pura sacanagem.
Negóseguin: se o saco estava cheio, era a glória mandar o interlocutor ir se roçar nas ostras e que de preferência voltasse cheio de arranhões. Porralouquice e porralouca eram coisas de desbundado, aquele cara meio doidão, ou, dependendo da conjuntura, deslumbrado. Desbunde, o estado de chapamento do outro, virou elogio se dirigido a mulheres, manifestações artísticas, paisagem e festas. Todo desbundado (cabelos compridos, barba, camisa da Casa Pátria, japona azul-marinho, carregava uma bolsa a tiracolo, combinando com sandálias de couro cru e malcheiroso), gostava de dar um bom tapa. Tremendo barato, bicho!
Entubar uma brachola / Agasalhar um croquete (duas das muitas “incorretíssimas” contribuições de Ivan Lessa) serviam para se engolir um sapo da espécie dendrobata, ou mandar o companheiro escafeder-se. Mas sugeria, ainda, que a criatura em foco, se do sexo masculino, sentava. Aliás, a palavra bicha, hoje infantilizada, e derrotada pelo comportado homoerótico gay, foi popularizada pelo Pasca. E sifu quem não gostasse. Essa foi uma das neoexpressões de maior aceitação nacional na época, com suas variantes pronominais a saber: mifu, tifu, nosfu. Ou o popular e coletivo tamosfu, pois se estava mesmo.
Veio um dia e Henfil me disse: “Não adianta o Jaguar ficar insistindo, não há mais espaço pro Pasquim, ele já cumpriu o seu papel”. É que, naquele santo dia, a palavra merda aparecia tranquilamente, pela primeira vez, num texto do Segundo Caderno do Globo. Era mesmo o fim.
Em Carta Capital
Cariocas Quase Sempre
23.04.2013 14:56