Em uma disputa contra o clube italiano Milan, pelo mundial de clubes aqui no Maracanã, jogando pelo Santos, um dos assistentes do técnico Lula perguntou a Almir Pernambuquinho se ele queria uma bola (Dexamil).
“Por que não iria querer? O bicho era de 2.000 cruzeiros, o que valia um fusca zero. Disse: me dá uma aí”.
“Eu fui um marginal do futebol”.
Assim Almir Morais Albuquerque iniciou seu depoimento gravado para a Biblioteca Esportiva Placar, da Editora Abril, transcrito no livro Eu e o Futebol. No último dia 6 completam-se 40 anos desde que foi assassinado.
Almir foi o jogador do futebol brasileiro mais completo depois de Pelé, e este testemunho foi sustentado por ninguém menos do que João Saldanha, o técnico que convocou a seleção de 70.
Mais tarde, quando contratado pelo Coríntians, foi chamado de Pelé Branco.
Começou a carreira no Sport do Recife, em 56, jogou depois no Vasco da Gama, entre 57 e 59, no Corinthians, em 60 e 61, no Boca Juniors, em 61 e 62, no Genoa da Itália, em 62, no Santos, em 63 e 64 — onde se sagrou bicampeão do mundo pelo time da Vila Belmiro — no Flamengo, de 65 a 67, e terminou sua carreira no América do Rio, em 68.
Ele contou que não teve uma infância difícil. O pai, Arlindo, tinha uma mercearia de secos e molhados, e o que ganhava sustentava a mulher, Adelaide, e os filhos, Almir, Arlindo, Aires, Adílson e Adélia. “Não vivíamos com luxo, mas em nossa mesa nunca faltavam arroz, feijão e carne-seca”. Suas diversões eram ao ar livre, com a patota, jogando peladas. “Roubei muita manga e sapoti, pesquei siri, caranguejo e piaba, tive brigas de rua como qualquer moleque”.
Voltando à disputa do mundial com o Milan. Em um primeiro jogo, em Milão, o Santos havia perdido por 4 x 2, com dois gols de Amarildo, um do zagueiro Trapattoni e outro de Mora, pelo Milan, e dois de Pelé. E aí, o problema — o principal problema, para Almir. Amarildo, entusiasmado com o resultado, declarou à imprensa que Pelé “já era”.
Sintetizando o relato do Almir: depois da bolinha dada por Alfredinho, ele ficou doido. Tinha a responsabilidade de substituir Pelé, machucado com um estiramento em uma das coxas. “Vou jogar por mim e pelo Negão”, pensou. O Santos era uma equipe de estrelas, com exceção de Zito, substituído por Lima, e Pelé. Mas Almir estava determinado a acertar Amarildo porque, segundo ele, nenhum jogador que tivesse conhecimento de futebol podia criticar Pelé.
Naquele segundo jogo, em 14 de novembro de 1963, aos 17 minutos, Altafini (o Mazzola, que jogou no Palmeiras e na Seleção Brasileira em 1958) e Amarildo já haviam feito dois a zero para o Milan.
A virada começou aos quatro minutos do segundo tempo, quando Pepe, cobrando uma falta da intermediária, soltou um canhão e Ghezzi, o goleiro do Milan, mal teve tempo de ver a bola entrar. Quatro minutos depois foi Mengálvio, desviando de cabeça um cruzamento de Dalmo. Lima aumentou para 3 a 2 e Pepe, com outro canhão em cobrança de falta, completou os 4 a 2.
Aí, diz Almir, veio aquele que seria um dos momentos mais emocionantes de sua vida: Pelé foi abraçá-lo e disse: “Almir, você é grande”. Hoje, continua Almir, Pelé talvez nem se lembre disso, mas aquele abraço, aquelas palavras me deram alma nova para o segundo jogo.
Mas Pelé não se esqueceu:
“É verdade: o Almir era um dos melhores amigos que eu tinha em Santos. Nessa época nós chegamos a morar juntos na pensão da D. Jorgina. Na noite desse jogo no Maracanã, eu estava machucado e não joguei. No final do jogo, entrei em campo para dar um abraço nele porque foi um guerreiro dentro de campo. Depois, no outro jogo, fomos campeões. São momentos que jamais esquecerei”.
Pepe também se lembra bem daqueles dias: “O Lula poderia ter escalado o Toninho Guerreiro no lugar do Pelé. Toninho era bom jogador e fazia muitos gols. Mas ele preferiu o Almir, porque os jogos seriam no Maracanã, que era a casa dele — havia jogado lá pelo Vasco e pelo Flamengo. E o Almir foi fundamental, apesar de eu ter feito dois gols de falta. Mas ele desmontou a defesa do Milan. Era um jogador de técnica apurada que perdeu muito pelo temperamento, pelo gênio dele. Mas foi um herói naquele jogo. Além de jogar muito, baixou o porrete nos italianos”.
Uma pergunta a Pepe: o Almir diz que o goleiro do Milan nem viu a bola passar nos seus dois gols. Como é que você conseguia aquela potência nos chutes?
“Isso não se aprende, é um dom. Você nasce com ele”.
Mas, naquele jogo, faltou acertar Amarildo.
Dois dias depois, também no Maracanã, haveria o desempate. E o clima, dizia Almir, era ainda pior do que antes do jogo anterior, porque os italianos acusaram o juiz escalado, o argentino Juan Brozzi, de estar vendido ao Santos. E provavelmente estavam certos, mas o juiz foi mantido.
Nicolau Moran, do estado-maior do Santos, foi a Almir, antes que ele entrasse em campo, e lhe disse (segundo Almir): “Você pode fazer o que quiser dentro de campo. Você é rei lá dentro. O juiz não vai fazer nada”.
“Deixa comigo”.
Almir nunca negou que foi um jogador violento, mas que também não se intimidava quando a violência era contra ele. E nessa disputa de título com o Milan temos dois exemplos. A primeira vítima, claro, foi Amarildo. Logo no primeiro minuto ele pegou uma bola e desceu pela esquerda. Almir correu na direção dele, pediu cobertura a Ismael e Mauro e gritou: “Deixa esse filho da mãe comigo”.
“Foi um toco só. Ele caiu se contorcendo de dor”.
A segunda foi o goleiro do Milan, Balzarini, escalado no lugar de Guezzi. Almir conta:
“Muito corajoso, ele se atirou numa bola que estava mais para mim. Não tive tempo de evitar o acidente, nem estava com essa preocupação: chutei a cabeça dele. Quando vi o sangue correr, me afastei, pensando que o tivesse inutilizado. Os italianos me cercaram, mas eu me fiz de vítima”.
O juiz não deu nada. E continua Almir:
“Com meia hora de jogo, no segundo tempo, Lima fez um cruzamento pelo alto, eu estava ali pela marca de pênalti e vi que ia chegar um pouco atrasado na bola. Vi quando Maldini, desesperado, levantou o pé, tentando cortar o lançamento. Eu tinha que tentar tudo ali: meter a cabeça para levar um pontapé de Maldini, correndo o riso de uma contusão grave, ficar cego, até mesmo morrer, porque ele vinha com tudo. Meti a cabeça, Maldini enfiou o pé e eu rolei de dor pelo chão. O argentino Brozzi não conversou: pênalti.”
Depois de mais de dez minutos de protestos dos italianos, Dalmo cobrou e fez o 1 a zero.
Ainda Almir: “Até o fim do jogo foi paulada de parte a parte. Mas o time todo queria acertar o Amarildo. Até que, antes da volta olímpica, Ismael foi lá e deu-lhe uma cabeçada”.
Outro jogo que entrou para história de Almir, e do futebol brasileiro, foi aquele em que ele, jogando pelo Flamengo, disputou uma final contra o Bangu, em 18 de dezembro de 1966. O Bangu tinha um grande time, montado com o dinheiro do bicheiro Castor de Andrade. E o Flamengo tinha alguns problemas. Um deles era o ponta direita Carlos Alberto, que fora seriamente contundido em um dos jogos anteriores, mas insistia que estava bem e queria jogar. Almir conversou com ele, tentando fazê-lo desistir, mas não conseguiu. Outro, uma séria desconfiança de Almir de que seu goleiro estava comprado pelo Bangu. E mais um, que ele só descobriu quando entrou em campo: o juiz estava comprado também. Sansão — esse o apelido dele — o ameaçou de expulsão antes de o jogo começar.
No primeiro lance o lateral esquerdo do Bangu, Ari Clemente, atingiu violentamente Carlos Alberto. Sansão não deu falta nem advertiu Clemente. E o Flamengo passou a jogar com dez homens, porque Carlos Alberto mal se arrastava em campo (naquele tempo o único que podia ser substituído era o goleiro).
“Com pouco mais de 20 minutos o Bangu deu outra entrada para quebrar. Desta vez o atingido foi Nelsinho, peça vital no nosso meio campo. Ele terminou o primeiro tempo capengando e no segundo praticamente apenas fez número”.
“Mas o desastre maior foi o nosso goleiro, Valdomiro. Nós tomamos dois gols em três minutos, entre os 23 e 26 do primeiro tempo. O primeiro foi feito por Ocimar, num chute mais ou menos da intermediária. Valdomiro saltou atrasado, chegou a tocar na bola com um soco, mandando-a para dentro do gol. Logo depois, com o Flamengo ainda zonzo com o primeiro gol, Aladim fez o segundo”.
No intervalo — conta Almir — o diretor de futebol do Flamengo, Flávio Soares de Moura, estava indignado com o esquema montado pelo Bangu. Indignado e desanimado. “Almir, eles vão dar a volta olímpica?” ele me perguntou. “Não vai ter volta olímpica não, seu Flávio. Só se for do Flamengo”, respondi.
“Logo aos três minutos ficamos grogues: outro gol do Bangu. Houve um lançamento para Paulo Borges, que marcou um dos gols mais bonitos da história do Maracanã. Ele deu um chapéu em nosso zagueiro Ditão, para um lado, para o outro e, com a bola ainda no ar, deu um chute violentíssimo, indefensável. Era o fim”.
Aos 25 minutos, Ladeira, atacante do Bangu, deu um soco na cara de Paulo Henrique. Logo Paulo Henrique, que, segundo Almir, era “uma dama dentro de campo”. Almir correu para acertar Ladeira, que fugiu. No meio do caminho o zagueiro Itamar, do Flamengo, com 1m90 de altura, deu um salto e meteu o pé no peito de Ladeira. Então Almir chegou e foi chutando. Ari Clemente veio por trás e deu-lhe um soco.
“Aí eu vi que eles queriam brigar, e topei a parada. Tudo o que tiver camisa de listras brancas e vermelhas é inimigo, pensei. E comecei a distribuir socos e pontapés”. Quando essa briga acabou, e Ladeira foi retirado de maca, Almir saiu de campo — ele sabia que seria expulso. Quando ia passando pelo banco do Flamengo ouviu uma ordem, disse que nem sabe de quem:
“Volta, Almir. Acaba com essa palhaçada deles”.
Ele voltou para o centro de campo. Nisso, aproximadamente 100 mil pessoas, a torcida do Flamengo (outras 43 mil eram do Bangu) começaram a gritar:
Porrada, porrada, porrada.
“Eu estava cercado por jogadores do Bangu, mas fui enfrentando todos: um pontapé num, um soco noutro, uma corrida em cima de outro Sansão expulsou cinco jogadores do Flamengo e quatro do Bangu. O Flamengo ficou sem jogadores para terminar a partida — o mínimo permitido é de sete jogadores. Sansão deu o jogo por encerrado, o Bangu era campeão.
* * *
O jornalista e escritor Mário Prata, que estava, na noite de 6 de fevereiro de 1973, em um boteco ao lado do bar “Rio-Jerez”, na Galeria Alaska, em Copacabana (barra pesada), conta que em uma mesa do mesmo “Rio-Jerez” estavam Almir, uma namorada e um casal de amigos. Na mesa de trás, três portugueses. Na frente da mesa de Almir, os atores gays do espetáculo “Dzi Croquetes”, ainda maquiados depois de uma apresentação. Os portugueses resolveram caçoar dos atores, chamando-os de veados, paneleiros e outras coisas. Almir não gostou do que ouviu e resolveu defender os atores, que não reagiram. Começou a discussão, Almir agrediu um deles, até que um dos portugueses sacou um revólver, o amigo de Almir sacou outro e o tiroteio começou no calçadão da Avenida Atlântica.
Os outros dois portugueses também sacaram as armas, os atores gritavam, foi uma correria, mesas foram viradas e pelo menos uns 30 tiros disparados. Quando o tiroteio terminou, lá estava Almir, no chão, já morto, com um tiro na cabeça. Os portugueses saíram correndo. Debaixo de um coqueiro, o amigo de Almir, o comerciante Alberto Ribeiro, agonizava com um tiro nas costas. Morreu ao dar entrada no hospital. Outro amigo de Almir, o agente de investimentos Elói de Lima, foi ferido quando fugia, o que derruba a defesa do assassino, Artur Garcia Soares, de que agiu em legítima defesa.
Detido, ele deu sua versão. Na época, falou-se em expulsá-lo do país. Outros queriam julgá-lo aqui. O fato é que o caso resultou em esquecimento: não se sabe o que foi feito de Artur.
Almir tinha 35 anos quando foi morto. Como diz Mário Prata, esta história tem um lado bonito: um machão como ele morrer defendendo um grupo gay.
Fontes: O livro Eu e o futebol, de Almir Albuquerque, e declarações de Pelé, Pepe e Mário Prata.
Este texto foi publicado pelo jornal Folha de S. Paulo, e uma sobrinha de Almir escreveu para lá protestando. Ela diz que Almir não protegeria um grupo gay. Mas ela não estava no bar, e Mário Prata sim.
Em Histórias que os jornais não contam mais, uma coletânea de reportagens de Anélio Barreto.
DAS TREVAS A LUZ.
Trata-se de um conto, homenagem ao pernambuquinho Almir. Não posso ser considerado fonte, mas tetemunha ocular dos jogos citados e realizados no templo do futebol mundial, que junto oom o Estadio da Luz, Bombonera, Parc dux Pinces, San Ciro e o saudoso Wembley foram palco de grandes jogos e desfile de grandes jogadores. Hoje o Maracanã se transforma numa arena para espetáculos da famigerada FIFA , dos Havelange, Blaster e Ricardos Teixeiras. Palco que nunca mais terá a minha presença torcedora e também a arte e sacanagem do pernambuquinho briguento.
O primeiro jogo, Santos 4 x 2 Milan, o grande herói da noite chuvosa de quarta feira foi sem dúvida Jose Macia. O pernanbuquinho foi valente mas mero coadjuvante. No segundo jogo foi fundamental, um divino marginal, como diria o saudoso Nélson Rodrigues. Deu pontapé, agrediu, cuspiu, tudo com a complacência do juiz argentino. Uma lástima! Por estas e outras passagens ocorridas também na Argentina, os clubes Europeus deixaram de vir a América do Sul disputar a Taça de Campeões de Mundo Interclubes, disputa que mais tarde passou a ser realizada em um só jogo, no Japão, em campo neutro. Hoje a disputa é patrocinada pela FIFA e até o Corinthians pode ser campeão.
Resumindo o Milan foi roubado!
Quanto ao jogo do Maracanã,final de campeonato carioca, segundo turno nova cafagestada do pernambuquinho. No primeiro turno o pernambuquinho já se destacara como herói, ao marcar um gol de cabeça, enfiando a cara na lama e nas chuteiras do zagueiro. Gol do Fla, Almir aclamado herói. No segundo turno, Almir assumiu seu papel marginal, largou o futebol e desesperado com a supremacia dos adversários, protagonizou uma das maiores vergonhas do futebol, fruto e inspiração das violências de hoje em dia. Lamento contestar, mas o gol, golaço do Paulo Borges não foi neste jogo.
Os fatos devem preservar a história, ou vice versa? A morte do pernambuquinho na galeria Alaska tem muitos mistérios.
A mídia enaltece figuras que o tempo se encarrega de colocar no seu devido lugar. Pistorius,Ronaldo fenômeno,Aurélio Miguel patéticas figuras a terão seu devido julgamento em que pese o enaltecimento e babação da imprensa.
O pernambuquinho Almir marcou pela sua personalidade marginal e briguenta, não pelo seu futebol, mais por coisas ruins do que boas. Os episódio narrados não são bons exemplos, além de ruins sào pouco verdadeiros. servem mais como estórias.
Anélio que me desculpe.
BOA NOITE,
GOSTARIA DE SABER MAIS INFORMAÇÕES SOBRE O PARADEIRO DA FAMÍLA DO ALMIR, POIS ELE TEM UM FILHO NA CIDADE DE RIO GRANDE RS. QUE GOSTARIA MUITO DE CONHECER SEUS IRMÃO E FAMILIARES. DESDE JÁ AGRADEÇO
Almir É o antípoda da maioria dos seres humanos hoje, nos dois opostos: a) os mercenários, que pisam na cabeça da própria mãe, não conhecem irmãos, mulher e filhos, para obterem dinheiro; b) os bovinos, a massa de manobra, que é o moderno escravo no mundo inteiro, que nasce, trabalha e morre em benefício dos integrantes da letra “a”. Almir tinha honra e decência (o contrário da letra “a’) e tinha conhecimento da canalhice e indecência que escravizam “b”. Fazem MUITA FALTA hoje indivíduos como Almir.