A lição do juiz poeta

Na tevê, o jornalista quer saber de Carlos Ayres Britto, ex-ministro e presidente do STF, qual a sua opinião sobre o propagado conflito entre o Congresso e o Supremo. Com sua tranquila serenidade, que os brasileiros atentos já se acostumaram a admirar, ele joga toalha fria nos que apostam em confronto.

Tudo se resolve na conversa e os poderes estão dialogando. Suas intervenções, no programa exibido pelo canal a cabo no último sábado (dia 3 de maio), sempre esclarecem didaticamente. Não há como não entender sua explanação objetiva.

Bebi com prazer suas palavras sobre a diferença entre a Assembléia Nacional Constituinte, que mais do que a voz do povo é a voz da Nação, esse ente superior que congrega a todos e é a mais alta manifestação institucional de todos os brasileiros.

O Congresso, o Executivo e o Supremo são poderes constituídos e portanto

têm de se submeter à vontade maior expressa por quem os constituiu,

a Assembléia Constituinte através da Constituição que é fruto do desejo

da Nação. A Constituição une o passado, o presente e o futuro, molda o rumo do País. Por ser originária, ela dita o que a Nação quer, impõe limites à atuação dos poderes dela derivados.

Dessa forma, o Congresso pode muito mas não pode tudo. Ele, poder constituído, pode revisar e emendar muita coisa que está escrita na Constituição, mas não pode nem pensar em tocar no que o Constituinte original estabeleceu como definitivo.

É o que acontece com o que há de mais sagrado e belo em nossa Bíblia jurídica, o capítulo quinto, dos direitos e garantias fundamentais. É ali que estamos todos abrigados contra todas as tentativas autoritárias e desumanas das autoridades. É arma do cidadão contra os abusos.

O parágrafo quarto do artigo 60 diz de forma explícita que “não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir…os direitos e garantias individuais”.

Muitos congressistas passam a impressão de que não leram, não entenderam ou fingem não compreender o livro da cidadania e da Nação. Mas o professor poeta e juiz Ayres Britto, na vida comum, continua ministrando ensinamentos necessários. E escrevendo coisas belas, tais como:

minhas rugas vão aumentando para que minhas rusgas diminuam; sentei-me no topo do sorriso de um guri e foi como sentar para ver Michelangelo esculpindo o seu Davi; meu baú de guardar mágoas tem o fundo aberto; nosso olhar é sábio: só prende em sua retina o que foge da rotina; o movimento dos quadris daquela moça condena tudo o mais ao desolhar; não quero ser melhor do que os outros, quero é ser melhor do que antes; minhas tristezas eu trato de esquecer o quanto ontem; a lua é a coisa mais linda que Deus não botou na face da terra.

Belezas do juiz e do poeta.

Esta crônica foi originalmente publicada no Estado de Minas, em maio de 2013. 

2 Comentários para “A lição do juiz poeta”

  1. Sereno, inteligente, simpático, didático, apaziguador, conciliador, enérgico sem ser prepotente, o Brasil tardiamente conheceu um Juiz que, compulsoriamente, se aposentou. Perdeu o judiciário, ganhou a nação um poeta, um professor, um conselheiro Ayres.

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