Existem pessoas que odeiam os autores, os criadores de arte. Penso que andava distraído ou poetando, pois não me dava conta desse fato. Talvez por ligar esse sentimento negativo às ditaduras, que não suportam o pensamento livre, as opiniões diversas das suas. Todo ditador não gosta e persegue os que contrariam seus desígnios, seus desejos, suas ordens. Quem não marchar unido com ele é inimigo e deve ser preso ou morto. A liberdade, que assusta as mentes autoritárias, é, também, essência de todo artista.
O regime opressor, que pôs grades no Brasil durante mais de vinte anos, é coisa do passado, que não deve ser esquecido mas se foi.
Como explicar, então, que governos democraticamente eleitos escolham todo o tipo de autor, mas sobretudo os musicais, como espécie a ser extinta? Será uma nova safra de antropólogos que , na falta do que descobrir e estudar, inventaram um novo brinquedo e partem para a destruição dos incômodos criadores de belezas sonoras e poéticas para, assim, pesquisarem a fundo o que deles restou? Iniciou-se em 2003, através de um grupo de assessores do Ministério da Cultura, aliados a advogados juvenis da Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas, uma guerra estúpida para acabar com a música popular brasileira, genial e fértil afirmação da riatividade do nosso povo. Pois quem mata o criador acaba com a possibilidade de se criar novas obras.
Nossa história é a nossa música: das festas populares a Chiquinha Gonzaga, de Nazaré a Pixinguinha, de Noel e Ary a Caymmi e Tom Jobim. É uma longa e venturosa estrada, construída dia a dia pelos músicos desse nosso Brasil, uma multidão de gente talentosa que nos orgulha. Enquanto comemoramos os setenta anos de Caetano, Gil, Milton, Paulinho da Viola e Jorge Benjor, as velas se apagam e o canto de alegria é substituído por um outro, de temor.
Nos últimos vinte meses, o Ministério da Cultura esteve sob o comando de Ana de Hollanda, que tem o dom de distribuir, por onde passa, delicadeza, sorrisos e gentileza. Trabalhou com dedicação, mesmo tendo ao seu redor os olhares injetados de muito sangue de corvos cruéis e sem escrúpulos, que tudo fazem para manter suas sinecuras e seus dogmas de fanáticos. Ana segue sua vida, mas o refrigério, o oásis que ela significou nesses meses promete transformar-se em mais uma investida feroz dos que odeiam os autores musicais.
Não entro no mérito da substituição feita por quem tem o direito de fazê-la e nem discuto por antecipação a nova gestora do Ministério, mãe de autores. Mas já se sente o odor dos que voltaram ao poleiro. Já não sobrevoam os céus de Brasília.
Pousaram. Querem comer a carniça da música popular brasileira. A consciência dos autores e a nossa Constituição, que os urubus desprezam mas têm de obedecer, nos salvará. São Jobim zele por nós.
Esta crônica foi originalmente publicada no Estado de Minas, em outubro de 2012.
Importante e preocupante o alerta do Brant, quem são os corvos e urubus que voltaram aos poleiros? De Chiquinha Gonzaga a Tom Jobim os autores enfrentaram as ditaduras e agora em pleno regime democrático sofrem nova ameaça? Ana de Holanda trabalhou com dedicação, mesmo tendo ao seu redor os olhares injetados de muito sangue de corvos cruéis e sem escrúpulos, que tudo fazem para manter suas sinecuras e seus dogmas de fanáticos, constata com probidade e isenção o Brant. Ela saiu, cedeu seu lugar a Marta Suplicy que recebeu a paga pela sua fidelidade e alinhamento a campanha Haddad.
Ironicamente os períodos de maior repressão foram os mais promissores e poéticos da nossa música popular. Os setentões Caetano, Gil, Milton, Paulinho da Viola e Jorge Benjor viveram e marcaram uma época com músicas e poesia.Gonzaguinha presente!
“E se eu chorar
E o sal molhar o meu sorriso
Não se espante, cante
Que o teu canto é a minha força
Pra cantar”
http://www.trezentos.blog.br/?p=7460#comments
SAEM OS ABUTRES, VOLTA A GENTILEZA
Um ótimo contraponto………
bateu, levou…
Escrevo isso a próposito de um texto com o qual me deparei na minha caixa de correio eletrônico, atribuido ao compositor Fernando Brant. Na epígrafe, quem encaminhou o texto incluiu algumas frases que me chamaram a atenção, talvez pelo intento de capturar o leitor com base num forte apelo emocional: “leiam com atenção quem tiver coração” este “tratado de lucidez”. O título é aterrorizador: “sai a gentileza, voltam os abutres”, publicado no jornal O Estado de Minas no dia 10 de outubro de 2012.
Mas toda essa chamada impactante logo se perde na leitura das primeiras linhas. Logo se vê que o que mais falta ao texto é exatamente a lucidez. E nada ali parece ter sido escrito com o coração. Muito provavelmente foi inspirado pelo fígado.
Existem na música brasileira letristas extremamente talentosos. Mas nem sempre o talento para os versos também se reproduz na escrita em prosa. Chega a assustar como autores de versos tão belos são capazes de escrever textos tão horrendos. Tanto na forma quanto no conteúdo.
O artigo começa de forma um tanto paranóica, afirmando que existem pessoas que “odeiam os autores, os criadores de arte” que os vêem como uma espécie a ser extinta (especialmente os de música, diz ele, puxando a brasa pra própria sardinha).
Em um parágrafo longo e verborrágico, associa esses intuitos destrutivos aos ditadores, aos contrários ao pensamento livre que é a “essência de todo artista”, pois os tiranos não aceitam contestações e querem calar quem pensa diferente.
Por um momento achei que ele estava falando do ECAD, pois ele fala “de perseguir quem contraria os seus desígnios” , “quem não marcha unido com ele é inimigo” e coisas similares. Afinal, essa entidade é uzeira e vezeira em processar por calúnia e difamação todos aqueles que lhes dirigem críticas públicas. Perde sempre, mas nunca deixa de usar essa forma de intimidação para calar os críticos. Vários compositores que reclamaram em público já sofreram na pele essa retaliação da entidade que diz “ser deles”. Quem quiser conferir, pode encontrar vários depoimentos sobre isso nos anais da CPI feita pelo Senado Federal recentemente.
Bem, o Brant é presidente de uma associação de autores que é a maior controladora daquele mal falado escritório. E isso há uns 30 anos, pelo menos, em eleições e reeleições sucessivas, quase sempre com chapa única e participação mínima (é o que se deduz por alguns depoimentos da citada CPI). Mesmo assim, sempre dizem representar milhares de criadores (que talvez sejam as “maiorias silenciosas” da qual falava Jean Baudrillard). Isso me faz lembrar um velho ditado popular: “o uso prologado do cachimbo deixa a boca torta”. Porque o raciocínio usado por Brant é completamente tortuoso.
Essa concepção do autor como sendo sempre um libertário vitimado pelo autoritarismo é um tanto frágil. Pensei no brilhante poeta Ezra Pound conclamando pelo rádio para que os aliados não invadissem a Europa nazi-fascista. Poderia dar muitos outros exemplos, mais fico só nesse, suficiente para demonstrar o raciocínio simplório da prosa desse talentoso autor de versos da nossa MPB. Enfim, se fosse só para contestar com o mesmo maniqueísmo de raciocinio poderiamos dizer: nem todo artista é “do bem”, só pelo fato de ser artista. Mas a questão é muito mais complexa.
Prosseguindo na análise desse texto bisonho, o notável compositor identifica quando e como toda essa suposta perseguição aos artistas começou: em 2003, com um “grupo de assessores Ministério da Cultura” e “advogados juvenis” da Fundação Getúlio Vargas. Mais um raciocínio inusitado. Afinal, naquela oportunidade o Ministro era Gilberto Gil, a quem ele espinafrou com insultos grosseiros num grande jornal carioca. Agora omite isso.
Será que a omissão a esse fato significa que ele mudou de opinião? Será que ele pediu desculpas ao Gilberto Gil? Teria o ex-ministro sido enganado por assessores malvados e jovens advogados inexperientes? Ou será que tudo não passa de um desconforto com os assessores que a nova Ministra está nomeando (ou renomeando) ? Afinal, uma das críticas mais frequentes que a ex-ministra sofreu foi a de contratar assessores simpáticos ao ECAD.
Se for por qualquer uma dessas razões, é algo a se lamentar. Porque isso revelaria um tanto de covardia e oportunismo, além de um profundo desrespeito com um sócio notório (Gilberto Gil) da entidade que Brant preside (a União Brasileira de Compositores-UBC).
O texto ainda é preenchido com loas a ex-ministra e com exaltações aos maiores nomes da nossa música, num apelo emocional que, enquanto recurso literário, chega a ser primário. Por fim, diz não entrar no mérito do direito da nova gestora do MINC de fazer nomeações de sua confiança. Em mais uma construção de alta pobreza estilística, lembra que ela é “mãe de autores”, talvez na expectativa de angariar algum tipo de solidariedade de classe. Parece que ele se esquece que a nova Ministra teve uma longa trajetória profissional como psicológa, que nunca morderia uma isca tão infantil. Aliás, é bom que avisem pra Ministra se preparar, pois logo os xingamentos vão se dirigir a ela, atendo em vista a forma vil como o Gilberto Gil foi atacado. Qualquer um que ocupe um alto cargo público tem que aturar democraticamente as críticas, por mais duras que sejam. Mas vileza é desvio de caráter. Quem a profere não merece consideração.
Pra finalizar, e com intensidade digna de um drama das novela das oito – ainda que nada crível – o renomado compositor alerta que “os abutres já pousaram em Brasília’ e estão prontos para comer “a carniça da música popular brasileira”. E pede a proteção de “santos” compositores que ele mesmo canoniza. Uma image forte, sem dúvida. Mas que não encontra eco na realidade. Talvez esse compositor devesse tomar um trago pra relaxar. Ou então parar de beber, pra poupar o fígado. Porque essa forma tão desequilibrada de criticar não acrescenta nada. Uma pena.
Falei acima do Ezra Pound. Mas podia ter falado do Nélson Rodrigues, que sempre apoiou a ditadura militar em nosso país. Ou do Luiz Gonzaga, que foi cabo eleitoral da extinta ARENA. Essa é uma reflexão importante. O talento criativo não dá a ninguém a razão, nem as livra de equívocos pavorosos como esses. É preciso separar a criação de seu criador.Tanto que agora mesmo vou ouvir um CD do Clube da Esquina. Poesia da boa. A prosa ruim eu dispenso.
AOS POETAS ,IDEALIZADORES E SONHADORES TUDO!AOS BESTIAIS,TRAÍRAS E SEM DESILUDIDOS O MEU JAZ!