Os poetas escrevem versos e os enviam aos leitores como carta de náufrago. Não têm esperança de serem muito lidos, mas almejam pelo menos a atenção dos colegas de profissão. Se o acaso, após várias edições minúsculas bancadas por suas pequenas economias, os levam a alguma espécie de reconhecimento público, é como se o mundo se debruçasse diante de seu talento. Poetas escrevem para poetas, o que nos leva a concluir que os que o lêem também o são ou, no mínimo, comungam da mesma sensibilidade. O leitor de poesia fornece o combustível para que eles prossigam.
A poesia, por mais que digam o contrário os práticos do mercado, tem um poder avassalador. Inocula a alma das pessoas e se transmite por gerações. Criada sem nenhuma ambição econômica, ela acaba por criar uma força tão forte como o dinheiro. Ela ri dos poderosos e expõe o ridículo dos ditadores, pois todos eles têm tempo de validade. A poesia não.
Nos tempos de Homero, Virgílio ou Camões, séculos e até milênios antes do capitalismo, a recompensa pelas obras criadas por eles era, no máximo, a glória contemporânea ou futura. O mesmo se pode dizer das artes da pintura e da escultura. Até que os mecenas financiassem o trabalho desses gênios.
Aí vieram o iluminismo, a idade das luzes, a revolução francesa e os direitos humanos.
A valorização do cidadão, senhor do Estado, a quem somente delegava poderes, a conquista da democracia, do governo para todos, da igualdade, da fraternidade e da liberdade. Nos versos de Cecília Meireles, “liberdade – essa palavra que o sonho humano alimenta: que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda.”
Depois de 14 de julho de 1789, os cidadãos escritores, poetas e artistas se levantaram na defesa de seus direitos de autores. No restaurante “Les Ambassateurs”, textos escritos por eles eram encenados e eles não recebiam nada. Tudo ali era pago: os vinhos e champagnes, as requintadas refeições.
Numa certa noite, toda a Paris cultural se dirigiu àquela casa de pasto e espetáculo.Todos comeram e beberam do melhor. Na hora da conta, disseram que não pagariam nada, da mesma forma que suas obras não eram remuneradas. Chamou-se a polícia, instaurou-se a polêmica e daí resultou a criação da primeira sociedade de autores teatrais. Depois dela, centenas foram fundadas em todos os países, no ocidente e no oriente, em defesa dos criadores e de suas obras.
Disse acima que o leitor de poesia também é poeta, pois participa com sua sensibilidade da criação que o autor lhe oferece. O mesmo vale para quem escuta e canta canções, assiste a filmes, contempla as belezas plásticas e lê romances.
Mas essa parceria inexiste quando, em nome da existência de novos meios de comunicação, pessoas e empresas renegam o que é conquista da civilização e burlam o direito dos autores que dizem amar. Não amam.
Esta crônica foi originalmente publicada no Estado de Minas, em março de 2012.
Sobre as tentativas de atacar os direitos autorais, vale a pena ler editorial de O Estado de S. Paulo sobre projeto de autoria do Ministério da Cultura, “Cortesia com chapéu alheio”.
Brant, a sua poesia é de muito valor. Valor de amor, vida, coração, paixão. Esse direito de te escutar e ler seus versos ninguém nos tira. O mérito é todo seu.