Lula passou oito anos no poder e teve poucos atritos com militares. Passaram pelo ministério da Defesa José Viegas Filho, o falecido vice José Alencar, Waldir Pires e Nelson Jobim, que foi o que ficou mais tempo – quatro anos – na pasta.
O mais notável esboço de crise aconteceu quando o general Augusto Heleno Ribeiro Pereira, então comandante militar da Amazônia, fez críticas à política indigenista do governo.
A crise foi resolvida rapidamente com a exoneração do general e a consequente reafirmação constitucional da autoridade do presidente como comandante supremo das Forças Armadas.
A habilidade que sobrou aos antecessores, principalmente a Nelson Jobim, faltou a Celso Amorim, que conseguiu, em muito menos tempo, arrumar mais encrenca com os militares do que o governo anterior em oito anos de mandato.
Tudo começou com manifestações de desagrado de membros do Clube Militar a respeito da instituição da Comissão da Verdade e de manifestações públicas de duas ministras favoráveis à revisão da Lei da Anistia, cuja legalidade, aliás, foi reafirmada em decisão do Supremo Tribunal Federal.
Os militares de pijama fizeram manifestos, que é o que costumam fazer os militares de pijama. Os militares da ativa ficaram quietos, que é o que a lei determina que eles façam.
Eis que alguma fada maligna inspirou o ministro Celso Amorim a repreender os militares de pijama e mandar que retirassem do ar seus manifestos, além de ameaçar puni-los.
Provavelmente, se o ministro tivesse respeitado a lei 7.524, os manifestos lá jazeriam, sepultados sob a indiferença da maior parte da opinião pública, como jazem tantos outros.
(A lei 7.524 diz: “Respeitados os limites estabelecidos na lei civil, é facultado ao militar inativo, independentemente das disposições constantes dos Regulamentos Disciplinares das Forças Armadas, opinar livremente sobre assunto político, e externar pensamento e conceito ideológico, filosófico ou relativo à matéria pertinente ao interesse publico”.)
A ânsia de demonstrar autoridade, porém, às vezes é mais forte, principalmente para quem acredita que a autoridade nasce da extrapolação do exercício do poder e não da clareza da legitimação moral.
O fato é que a crispação inicial , artificialmente alimentada, transformou-se em crise e as 98 assinaturas iniciais de adesão foram crescendo como uma bola de neve e em poucos dias as assinaturas de adesão já passam de mil, entre militares da reserva e da ativa.
Criou-se um impasse político e semântico: um manifesto de militares critica o ministro Celso Amorim e diz que eles não reconhecem a sua autoridade.
Mas não reconhecem a sua autoridade como ministro, pura e simplesmente, ou não reconhecem a sua autoridade para proibir e mandar tirar do ar o manifesto dos clubes militares?
As palavras têm significados precisos: se for o primeiro caso, os militares estão errados e devem ser punidos.
Se for o segundo caso, os militares estão certos e o ministro realmente não pode sobrepor-se à lei 7.524. Aliás, a nenhuma lei.
Talvez, com essa crise, Celso Amorim aprenda que sempre é melhor governar pelo exemplo do que pela força.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 9/3/2012.