Muitos pais já ouviram de filhos raivosos o desabafo: “não pedi para nascer.” Como se o nascimento não fosse fruto de atos amorosos e os amantes quisessem naqueles momentos gerar tragédias.
Não falo, naturalmente, de estupros ou de casais inviáveis. Me refiro ao geral, ao normal, ao que é maioria, aos que, se procurando no leito, buscam construir uma vida e uma família. Quem busca obstinadamente o poder, qualquer que seja sua extensão, aqueles que pelos fins almejados usam o que lhes for necessário, não entram nesse meu otimismo. Mas são minoria, embora façam muito barulho.
Postos na vida, da mesma forma que vemos no mundo animal, nossos primeiros passos são conduzidos e orientados pelas mãos de quem nos gerou. Claro que nosso tempo de aprendizado é muito mais longo e o nosso desmamar, diante da complexidade do universo humano, é mais lento. Vai além da adolescência e passa certamente pela educação. Chega um dia em que o vôo solo é inexorável. Mas restará sempre um olhar protetor sobre o que faremos, sobre o caminho que seguirmos.
Isso aqui não é lição e nem pretendo ser professor ou doutor de nada. Sou somente um observador do que vi, do que vejo e do que pressinto. As informações vitais, visuais, musicais e textuais que apreendo eu vou acumulando e as procuro quando delas tenho necessidade. Mas é impossível negar que as relações familiares não são esse mar de rosas que minhas palavras podem sugerir. Os conflitos pessoais e sociais, e até as guerras, não nascem por acaso.
Aquele tipo de reclamação que põe nos que nos criaram culpa pelos nossos descaminhos sempre me incomodou. Vida recebida, vida bendita. É o que sempre me orientou.
Para mim foi fácil, diriam alguns, que tive riqueza moral e finanças medidas em minha trajetória. Tive e tenho amor. Assim só amor eu tenho para distribuir. Foram e são minhas circunstâncias, mas todos conhecemos pessoas, uma quantidade enorme, que superaram adversidades e souberam plantar um caminho bonito.
Eu gosto de estar aqui, de respirar o mesmo ar que meus conterrâneos e contemporâneos. Mesmo que nada eu possa fazer, por exemplo, para acabar com a mortandade na Síria e em tantos lugares do mundo, com todos os preconceitos, o fanatismo religioso ou político, a ignorância que nos atrasa, a miséria e a fome de tantos. Mesmo que eu tenha que desligar o rádio e a televisão para não ouvir, a cada dois anos, as mentiras dos que pretendem nos representar.
Não quero que pensem como eu penso, que gostem da música que eu gosto, que leiam o que leio, que vejam o que almejo ver. A liberdade de pensamento é fundamental.
Nunca ouvi de ninguém que amo a sentença de desamor à vida. Por mais desencanto que muitos fatos do cotidiano da humanidade nos tragam, estou feliz de estar aqui. Amo a vida.
Esta crônica foi originalmente publicada no Estado de Minas, em setembro de 2012.
E A VIDA TE AMA,É CLARO DEMAIS.