Gonzaga, pai e filho

Na tela explodem corações. Na platéia, lágrimas pela história comovente e canto silencioso pelas belíssimas canções. Dois talentos da música popular brasileira, que a vida juntou pelo sangue e desuniu no dia a dia da carreira de um e do crescimento do outro.

Desencontros familiares levados ao extremo. Um era o Luiz Gonzaga, ídolo maior de gerações de brasileiros. Esse, quando as astúcias cruéis do mercado acenavam com o ostracismo, teve as mãos do filho para trazê-lo de volta aos palcos com o nome de Gonzagão para contrastar com o filho, Gonzaguinha. Para voltar a ser considerado grande teve que se unir ao moleque.

O Luizinho eu conheci, lá pelos idos de 1968, batendo na porta de um apartamento em Copacabana. Queria falar com o Milton Nascimento para lhe pedir que cantasse sua música, O Trem, num festival estudantil da antiga tevê Tupi. Mas o Milton estava em Minas por alguns dias. Eu e a namorada passávamos um tempo no pequeno apartamento da Travessa Angrense. Depois de três tentativas ele desistiu e resolveu cantar ele mesmo a canção. Assisti pela televisão sua vitória e o início de seu sucesso.

Os anos se passaram e nos tornamos amigos absolutos. Morou primeiro em minha casa na Cachoeirinha, já com intenção de morar em Minas. Depois, com a companheira mineira, fez sua própria casa, lugar de encontro, por dez anos, de muitos amigos da vida cultural de Belo Horizonte. Na cozinha de minha casa, sentávamos ele, eu e minha mulher, em um pequena mesa de pequenas cadeiras, de minhas filhas, e passávamos horas em conversas sobre o mundo, o Brasil, a vida e tudo o mais.

Assisti ao constante aprimoramento de sua delicadeza. Sua história era repleta de mágoas, injustiças. Mas ele guardou bem o amor e a generosidade de Dina e Xavier, que o criaram no morro de São Carlos. Foi tecendo aos poucos sua obra original, conquistou multidões, embalou corações.

Ao mesmo tempo foi costurando a abertura do livro de sua vida, começando por gravar uma série de diálogos ásperos e elucidadores com o pai Gonzaga. Romperam-se todos os diques e, sem nenhuma psicanálise, foram os dois compondo um acerto de contas com o passado comum. Das trevas do desentendimento foram surgindo pequenas luzes de compreensão, de respeito, peitos abertos para o que viesse. E o que veio foi a união dos dois diante de um tempo novo. E os dois cantaram juntos a canção imortal de brasilidade e beleza.

E o povo cantou com eles: é a vida, é a vida, é a vida. Minha  vida é andar por esse país pra ver se um dia me encontro feliz.

Obrigatório assistir ao filme Gonzaga, de pai para filho.

Esta crônica foi originalmente publicada no Estado de Minas, em novembro de 2012. 

3 Comentários para “Gonzaga, pai e filho”

Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *