Carnaval, carnavais

Não vou ao carnaval, o carnaval vem a mim em forma de lembrança e de um certo otimismo quanto ao que virá. Essa segunda parte se deve a um movimento que sinto na cidade. Aquela metrópole vazia, abandonada, está sendo substituída, aos poucos, por uma energia que se espalha pelos seus vários cantos. Como nos tempos de minha adolescência, nos vários bairros começam a se formar blocos, que ensaiam aquele convívio sadio de vizinhança e desfilam nos quatros dias da folia.

A festa oficial, com escolas e blocos fantasiados, foi transferida para um ponto central, o que facilita a vida de quem gosta de assistir ao desempenho alegre e pouco endinheirado das agremiações que tradicionalmente levantam o ânimo dos foliões. A diferença em relação à magnitude dos desfiles do Rio e de São Paulo, em termos econômicos, se dilui quando se conhece o cotidiano das pessoas que fazem o carnaval durante todo o ano em suas comunidades. A grandeza humana é a mesma.

O reinado de Momo continua a nos encantar com seu trânsito calmo e civilizado. Mas os bares e restaurantes, em grande quantidade, não fecham mais nesse período, o que atende à população que não viaja e nem pula carnaval. É muita gente.

Por ser tímido, nunca fui muito carnavalesco. Mas o cheiro de lança perfume e, mais tarde, uma dose de cachaça intragável misturada a refrigerante fazia com que eu acompanhasse meus amigos do ano inteiro por aqueles quatro dias de sonhos, desejos e muito suor. Ficava nisso, sem maiores conseqüências. Não havia briga e muito menos namoro. Mas sobravam histórias para serem comentadas nas tardes das quartas-feiras de cinzas. Só no ano que vem, dizíamos todos, com a cabeça ainda repleta das marchinhas ouvidas na maratona dos bailes dos clubes e nas ruas.

Era um tempo em que se tocava, nos rádios, as marchinhas do Lamartine, do Kelly e as marchas mais calmas, como “As Pastorinhas” de Noel e Braguinha, que serviam de pausa para respirar. Hoje é igual. Mas ouvia-se, também, na nossa cidade, ao lado dos sucessos nacionais, as composições de autores mineiros, como Celso Garcia e Rômulo Paes. “ ê ê Maria, tá na hora de ir para Rua da Bahia… as águas já rolaram na Rua da Bahia mais do que em Três Marias”.

Mas uma música, em especial, agradava a todos os meus sentidos. Naquela época eu pensava que era de algum autor carioca e que o bairro de Santa Teresa era o do Rio. Só muito mais tarde, conhecendo o autor, Celso Garcia, fui saber que era mineira e belorizontina. Eu, que nunca fui de Santa Teresa, cantava com alegria a canção do meu amigo e torcedor do América: “ foi pra Santa Teresa que aquela beleza o bonde tomou…”

Nas cinzas desta quarta-feira, depois de ouvir novas marchinhas mineiras, continuo apostando na alegria.

Esta crônica foi originalmente publicada no Estado de Minas.

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