Meu olhar está fixo nos olhos de Arthur enquanto em Londres ouve-se o hino brasileiro. Entro fundo naqueles olhos que guardam água para jorrar a qualquer momento. A força da conquista se mistura com o vigor da canção nacional. Fiquei agora temeroso de usar essa palavra, nacional, que tem sido escudo para as maiores atrocidades contra a humanidade. O sentimento que me arrepia nessa oportunidade não corresponde a nenhum ódio contra habitantes de outro lugar nem a qualquer pessoa. É apenas uma afinidade especial, esportiva, em relação a alguém que mora onde vivo.
Antes do Arthur fora a Sara, a bela piauiense que por instantes nos pôs no topo do mundo. Não assisti à cerimônia de sua consagração na hora do acontecido. Eu dormia e ela lutava. Quando acordei, ela era a glória. Não me preparei para cravar, como faço agora, para guardar na Memória, o radiante rosto do ginasta, prendendo emoção e choro que, longe pela distância e perto pela tecnologia, não seguro.
Nessas horas lembro Nelson Rodrigues. Como adjetivaria as vitórias da moça Sara e do rapaz Arthur? Com todos os que lhe vissem à mente pródiga. Nossos campeões saem, geralmente, dos ambientes menos privilegiados da sociedade. Primeiro luta-se para sobreviver, depois batalha-se pelos avanços na educação e no esporte.
A primeira olimpíada deles é a vida. Levam uma desvantagem e uma vantagem sobre os demais. A desvantagem, lógica, é esse caminhar saltando barreiras ate chegar ao ponto em que os outros já estão. Quem chega assim à linha de partida traz na bagagem energia superior às das proteínas e dos alimentos. Vêm com a experiência dos duros jogos da vida.
Armados de humildade, tenacidade e objetivo, quando engrenam ninguém os segura. Cada campeão olímpico forjado nessas condições ( e os há em vários países, mesmo os mais desenvolvidos e ricos) são vencedores previamente anunciados, quase imbatíveis em seu destino de fazer história.
O mesmo destino me imobilizou em casa nesses dias olímpicos. Assim pude fruir dessa brincadeira universal que se dá agora em Londres e, em quatro anos, acontecerá no Brasil.Tem muita gente trabalhando para que Arthur e Sara se multipliquem para nos alegrar. Viva os medalhões de ouro, prata e bronze. Abaixo o mensalão.
Esta crônica foi originalmente publicada no Estado de Minas, em agosto de 2012.
Na luta pela sobrevivência se forjam os campeões olimpicos do terceiro mundo. Saras e Bolt se prepararam para a vitória desde cedo.