Um texto é considerado panfleto, pela etimologia, se não tiver capa nem brochura. Geralmente expressa idéias de opositores ao governo do momento, pode ser ou não anônimo e revela, antes de mais nada, que o autor não teve condição econômica de produzir algo mais caprichado.
É evidente que a autoridade atingida pelas palavras impressas no papel sai logo acusando o adversário de panfletário. Quer transmitir o conceito de que, por ser um veículo pobre, o libelo é destituído de qualidade, o que muitas vezes não é verdade.
Abro a caixa de correio em busca dos jornais do dia e, entre eles, me deparo com um papel amarelo, todo ocupado por letras pretas, de várias fontes e tamanhos, cheio de mensagens. Alguém se mostrando, se vendendo no bom sentido. Um velho e barato folheto contrastando com os modernos meios de comunicação.
Em primeiro lugar, o pai da criança declara: “Faço.” E vai descrevendo o seu fazer: limpeza, consertos e regulagens de fogões de todas as marcas. E acrescenta, pois tem de aproveitar a oportunidade: vendo um apartamento à vista. E se identifica: atestado recente ( importante) de bons antecedentes, sem ficha criminal, evangélico, 60 anos, cor branca, 76 kg, sem vícios.
Não parou. Procura: solteira que nunca teve filho, para compromisso sério, com idade igual ou maior à sua. Aceita católica ou evangélica não fumante.
“ Ajudo nos serviços domésticos. Favor não me ligar as demais mulheres.”
Aí eu me lembro que eu também já fui panfletista. Escrevi uns tópicos para um deputado do antigo MDB, no tempo em que a ditadura andava por aqui. Os títulos eram em vermelho e o texto claro. Um, pelas liberdades democráticas: liberdade de votar para todos os cargos políticos, conhecendo as idéias e não só os retratos dos candidatos.
Liberdade de pensamento, de ir e vir, de criação, de greve, liberdade de contar com uma justiça independente e verdadeiramente justa. Todo um conjunto de desejos que moviam a maioria dos brasileiros.
Um outro desses torpedos clamava: “ este país está com fome”.
Nos pontos de ônibus, as pessoas recebiam o papel, davam uma olhada por alto e guardavam no bolso ou na bolsa. Era para ler em casa, sem perigo de ser descoberto pela polícia. Era um tempo de muito medo.
Hoje os ares são outros e os panfletos contemporâneos circulam pelos meios eletrônicos espalhando os desejos da coletividade. Em meio ao caos da internet, que veicula muita indignidade e também generosidade e informação, os jovens marcam encontros para mudar o país e o mundo. A primavera árabe continua. A nossa estará chegando?
Esta crônica foi originalmente publicada no Estado de Minas, em setembro de 2011.